Fabrício Augusto de Oliveira*
Não demorou muito para começarem a desaparecer as juras de amor eterno e de fidelidade entre o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o empresário todo poderoso, dono da Tesla e do X, Elon Musk. Quando o amor é movido por interesses, dificilmente ele resiste, mesmo que a pequenas crises. Foi o que aconteceu entre Trump e Musk.
Trump deve muito de sua eleição para o segundo mandato a Musk. Este não somente financiou sua campanha com 300 milhões de dólares e com a compra de votos de americanos, como também atuou de forma integral e arrojadamente como seu principal garoto propaganda, fazendo isso, inclusive, com saudações nazistas. Eleito, Trump o designou como seu principal assessor para limpar o orçamento federal de gastos que considera inúteis relativos às políticas sociais e aos empregos e salários do funcionalismo público, principalmente dos quadros que operam nessas áreas, visando redirecionar os recursos para os seus próprios projetos. Até aí, entre carícias e beijos, entremeados de afagos e elogios mútuos, a química entre os dois parecia funcionar bem.
Essa união de interesses começou a se desfazer quando Trump deflagrou a guerra tarifária contra o resto do mundo, passando uma rasteira no processo de globalização e nas políticas liberais sobre o comércio exterior, o que prejudicou também as empresas de Musk sediadas em outros países. Como essas, caso da Tesla, produtora de carros elétricos e de baterias, instalada em Xangai, na China – o país mais atingido por esse tarifaço – exportam seus produtos principalmente para os Estados Unidos, foi inevitável a perda de competitividade que sofreram com as tarifas para este país estabelecidas em níveis absurdos. Como o dinheiro costuma falar mais alto que o amor e as ideologias, a lua de mel que viviam começou a ir por água abaixo. E Musk a retirar seu barco do governo para salvar seu império que sentiu o tranco.
Na despedida não faltaram novos afagos de parte à parte, com o presidente destacando sua contribuição para o enxugamento do orçamento e Musk reafirmando seu compromisso de continuar assessorando-o e aconselhando suas políticas. Um mise-en-scéne que rapidamente se esfumaria.
O ponto de ruptura veio, aparentemente, poucos dias depois, quando Trump encaminhou para a aprovação do Congresso um projeto de lei fiscal, combinando redução de impostos e aumento dos gastos em áreas e atividades de seu interesse, o qual Musk considerou uma “abominação nojenta”, considerando que essas medidas acrescentariam, de acordo com o Escritório de Orçamento do Congresso, cerca de US$ 2,4 trilhões à dívida pública, aumentando-a para mais de R$ 38 trilhões e reforçando o risco fiscal que já está amedrontando os parceiros internacionais dos Estados Unidos.
Pode parecer que Musk estivesse indignado por ver seus esforços fracassados com essas medidas, considerando as de austeridade que havia tomado, como controlador supremo dos gastos americanos, não poucas suspensas pelo Judiciário, embora algumas confirmadas pelo servil Tribunal Supremo da Corte dos Estados Unidos, formado, em sua maioria, por juízes conservadores. Mas, como diz o filósofo popular, “por trás do angu, sempre há algum caroço”.
O fato é que Musk começou a se indispor com Trump pelo tarifaço por prejudicar as suas empresas e, por extensão, as das big techs, mas, pelo relato dos assessores do presidente, teria sido a decisão deste de retirar a indicação de Jared Isaacman, o candidato escolhido por Musk, para ser o administrador da NASA, que provocou a ruptura definitiva. Para Musk, essa indicação era considerada fundamental para seus negócios sobre exploração espacial e para novos empreendimentos comerciais de suas empresas nessa área.
Esse episódio revela, claramente, a perda de influência de sua autoridade sobre as decisões de Trump, a qual já vinha esmorecendo desde o mês de março, com a limitação imposta pelo presidente à sua iniciativa de avançar no corte indiscriminado de gastos no orçamento. Não estranha, assim que o amor aparentemente incontido dos dois, tenha se transformado, a partir daí, em uma guerra de ofensas à política do presidente, por parte de Musk, apoiando a proposta de seu impeachment, além de acusá-lo de ter participado das orgias sexuais com menores patrocinadas pelo empresário e vilão Jeffrey Epstein. E que Trump tenha passado a considerá-lo “ingrato e louco” e ameaçado cortar contratos e subsídios dados às suas empresas, o que levou Musk a declarar que deixará de comissionar a cápsula Dragon, usada pela NASA, para o transporte de astronautas e de cargas ao espaço. O amor entre os dois bufões era lindo demais para ser verdadeiro.
* Doutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Social e do Grupo de Estudos de Conjuntura da UFES, articulista do Debates em Rede, e autor, entre outros, do livro “Karl Marx: a luta pela emancipação humana e a crítica da Economia Política”, publicado pela Editora Contracorrente, em 2025.
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