Por Fabrício Augusto de Oliveira*
Que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, está empurrando a economia de seu país para um buraco quase ninguém tem mais dúvida, a não ser seus acólitos e fiéis seguidores que acreditam em suas palavras de ser este o caminho necessário para o mesmo voltar a ser grande e poderoso, promessa cunhada na expressão de sua campanha eleitoral como Make American Great Again, ou MAGA. Entre as várias medidas de política econômica que tem aprovado nessa direção, deve-se chamar a atenção, fora do delírio do tarifaço que vem impondo ao resto do mundo, o pacote econômico que foi aprovado pelo Congresso nos primeiros dias de julho deste ano e que foi por ele sancionado em 04 de julho, dia da independência dos Estados Unidos.
Chamado por ele carinhosamente de One big beautiful bill (Um grande e belo projeto, em tradução livre), este projeto conseguiu ser aprovado na Câmara dos Deputados por apertados 218 votos a favor contra 214, depois de passar raspando no Senado, onde houve empate de 50 votos, votação que só foi decidida com o voto de minerva do vice-presidente, J.D. Vance. Apesar do sufoco enfrentado para sua aprovação, dado que alguns republicanos se aliaram aos democratas para rejeitá-lo, a húbris de Trump levou a considerá-lo como o projeto que abriria uma larga avenida para fortalecer a economia estadunidense. Um ledo engano.
Visto em conjunto, o tal do “grande e belo projeto” reúne um conjunto de medidas que nem mesmo o mais empedernido neoliberal adotaria. Se, por um lado, este aprovaria os vários cortes de gastos nele contemplado nas áreas sociais, especialmente na saúde, caso do Medicaid, um programa voltado para as famílias de baixa renda; na educação; no programa de alimentação (Programa de Assistência Nutricional Suplementar); e até mesmo dos recursos destinados para as políticas ambientais e dos incentivos contemplados para promover a transição da economia para a energia limpa, certamente torceria o nariz para o impacto fiscal deste pacote sobre a situação fiscal do país.
Se o pacote deslancha uma caça aos gastos sociais e ambientais, o que sempre encanta os economistas neoliberais, por outro lado ele aumenta consideravelmente os gastos militares (US$ 150 bilhões) e os contemplados na agenda anti-imigração de Trump (US$ 175 bilhões) nos próximos dez anos, além de destinar incentivos para os produtores de combustíveis fósseis para a abertura de novas terras federais para exploração dos setores de carvão, petróleo e gás natural, na contramão dos movimentos que se verificam no mundo nessa questão.
Mas, o que deve preocupar mais um neoliberal, é que o pacote, ao reduzir os impostos incidentes sobre as rendas das pessoas físicas, principalmente dos mais ricos, e das empresas, e também sobre as heranças, cujas perdas de arrecadação são estimadas em US$ 4,5 trilhões, tornando esses cortes permanentes, em sintonia com o que propõe a Teoria Econômica pelo Lado da Oferta, para o que também bateria palmas não fosse o fato de que tal medida coloca o país numa trajetória preocupante de aumento do déficit e da dívida pública. De acordo com o Escritório de Orçamento do Congresso dos Estados Unidos, o pacote deve adicionar US$ 3,3 trilhões à dívida nacional até 2034, a qual, atualmente, é de US$ 36,2 trilhões, o que corresponde a 120% do PIB, fazendo com que seu estoque atinja 130% ou mais do PIB no final deste período. Um nível que desperta a desconfiança do mercado sobre a capacidade de solvência do país. Nessas condições, o pacote pode se tornar um pesadelo tanto para sua economia como para a população. Explica-se a razão.
Sua aprovação acontece num contexto em que o dólar tem se enfraquecido gradualmente, especialmente com as medidas suicidas que vêm sendo adotadas pelo governo Trump, e passado a sofrer a concorrência de outras moedas, especialmente do yuan, concorrência estendida para o sistema internacional de pagamentos, ameaçando sua hegemonia e colocando em risco a vantagem desfrutada pelos Estados Unidos de poderem dele lançar mão sem muitos limites para os seus níveis de endividamento, por contarem com uma moeda de reserva mundial. Não sem razão, Trump tem retaliado os países dos Brics que têm discutido a hipótese de mudança na equação das transações internacionais lastreadas e baseadas no dólar. Se este processo avançar, os Estados Unidos poderão começar a ter de se despedir da vantagem que atualmente usufruem de escalar seu nível de endividamento sem se preocupar com a sua situação fiscal.
Em janeiro a agência de risco Moody’s rebaixou a nota de crédito dos Estados Unidos de “AAA” para “Aa1”, o segundo degrau de países que, apesar de serem considerados bons pagadores, não estão isentos de risco. A Moody’ apenas seguiu os passos já dados das outras duas agências mais importantes, a Standard & Poor’s (S&P) e a Fitch que já haviam anteriormente tomado a mesma decisão. Sua justificativa foi a de que a trajetória da dívida estadunidense, que se encontra em ascensão há mais de uma década, retira o país do bloco de países que demonstram capacidade de honrar plenamente a sua dívida, casos da Alemanha, Dinamarca e Noruega. Se perder a hegemonia do dólar, o que volta a parecer provável, embora ainda leve algum tempo, os Estados Unidos terão de se juntar aos países dos quais se exige maior rigor fiscal em suas contas públicas. E sua população a se despedir da bonança do consumo em que o país reinou soberano por deter a moeda de reserva internacional.
*Doutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Social e do Grupo de Estudos de Conjuntura da UFES, articulista do Debates em Rede, e autor, entre outros, do livro “Karl Marx: a luta pela emancipação humana e a crítica da Economia Política”, publicado pela Editora Contracorrente, em 2025.
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