Fabrício Augusto de Oliveira*
Os economistas “heterodoxos” do Brasil praticamente receberam sinal verde do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para que voltem a criticar a política monetária ortodoxa do Banco Central. Ou seja, a retomar a sua posição de “heterodoxos”.
Em discurso durante a cerimônia de assinatura da medida provisória que estabelece um conjunto de ações para uma resposta ao tarifaço que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, impôs ao Brasil, Haddad, depois de meses silente sobre o nível da taxa de juros, revelou sua insatisfação com a mesma. Avaliou que a taxa básica de juros do país está acima do necessário para o atual cenário econômico e disse acreditar não ser justificável a manutenção da Selic em 15%. Considerou que a inflação caminha para dentro do sistema de metas, o que abre espaço para dar início à política de sua redução, confiando que o Banco Central, que tem como presidente, Gabriel Galípolo, indicado por Lula, se encontra em condições de percorrer esse caminho.
A fala de Haddad, ocorreu poucos dias depois da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, no dia 17 de setembro, decidir continuar mantendo a Selic em 15% e de sinalizar que a mesma deve ser mantida em nível mais elevado por um período prolongado, visando trazer a inflação para dentro da meta, cujo intervalo é de 1,5% a 4,5%. Para Haddad, que se esquivou, até então, de criticar a política de juros altos, esse nível é injustificável e, nas suas palavras, dadas as condições atuais da economia brasileira, “nem deveria estar em 15%”.
Em resposta à crítica de Haddad, Galípolo considerou-a “delicada, gentil e educada”, mas um “luxo”, certamente referindo-se ao fato de ser um ministro da Fazenda, que se preocupa mais com a questão do crescimento econômico, e não um agente responsável por manter a inflação sob controle, sob pena de ter de justificar tecnicamente por ela ter saído de dentro da meta. No mesmo diapasão, o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, declarou que, “do ponto de vista fiscal, a Selic alta” machuca [a atividade econômica] e não é saudável”, considerando seus efeitos sobre o nível de endividamento do Estado.
Até o momento, os economistas “heterodoxos” do país evitaram fazer qualquer crítica à condução da política monetária, por ser Galípolo supostamente um de seus pares, embora seja confiável para o mercado, mesmo contribuindo para que o Banco Central adote uma política essencialmente ortodoxa, com uma taxa de juros nominal desnecessariamente elevada, e, ainda mais, em termos reais. Mesmo os Estados Unidos, onde a inflação se encontra no nível de 2,9%, acima da meta de 2%, o Banco Central (o FED) deu início à sua redução do intervalo de 4,25%-4,5% para 4,00-4,25%, iniciativa que pode ser alterada pelo fato de a economia estadunidense ter registrado um forte aquecimento no terceiro trimestre, afastando-se do temor de uma recessão.
Com o salvo conduto dado por Haddad sobre o nível exagerado da taxa de juro no país, pode ser que esses economistas abandonem o silêncio que hoje mantêm sobre o seu nível pornográfico e retomem suas críticas à política monetária implementada pelo Banco Central. A conferir.
Enquanto isso, embora o Boletim Focus continue projetando um crescimento do PIB de 2,16% em 2025, o Banco Central já o revisou para 2% neste ano e para 1,5% em 2026, atribuindo essa estimativa ao efeito das tarifas de Trump e aos sinais de moderação da atividade econômica no terceiro trimestre. Mas ainda sem abrir mão da taxa exagerada de juros na economia.
*Doutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Social e do Grupo de Estudos de Conjuntura da UFES, articulista do Debates em Rede, e autor, entre outros, do livro “Karl Marx: a luta pela emancipação humana e a crítica da Economia Política”, publicado pela Editora Contracorrente, em 2025.
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