Fabrício Augusto de Oliveira*
Além de empresário que caminha para se tornar o primeiro trilionário no mundo, Elon Musk está se tornando também um vidente sobre o futuro da humanidade, dominado pela Inteligência Artificial (IA) e robôs. Durante o Fórum de Investimentos Estados Unidos-Arábia Saudita, ocorrido em Washington, Estados Unidos, afirmou que dentro de 10 a 20 anos, o trabalho poderá se tornar opcional e que os empregos existirão no futuro apenas para quem quiser exercer alguma atividade por considerá-la lazer, como é o caso da prática de esportes ou dos jogos de videogame.
Neste novo mundo, em que as pessoas não mais precisarão trabalhar, o dinheiro, para ele, perderá relevância, mas como poderão sobreviver é uma incógnita em seu pensamento, embora mencione a possibilidade de um mecanismo de “renda alta universal”, mas sem detalhar como funcionaria e de onde viriam os recursos para o seu financiamento. Nessa visão, a IA e os robôs trabalhariam para os seres humanos e estes poderiam se dedicar a viver os prazeres da vida sem necessidade de trabalhar para garantir sua sobrevivência. É muita utopia ou completo desconhecimento da natureza do sistema capitalista.
Nem Marx chegou a tanto em termos utópicos. Quando, na “Ideologia Alemã”, Marx se refere à possibilidade de o homem caçar de dia, pescar à tarde, pastorear à noite e fazer crítica depois do jantar, estava se referindo ao que constituiria uma sociedade comunista em que a sociedade regula a produção geral, abolindo-se, assim, a divisão forçada do trabalho de uma sociedade capitalista, que tolhe a liberdade e a possibilidade material dele desenvolver suas capacidades e interesses. E não, como alguns analistas interpretaram, que se tratava de uma apologia ao ócio e ao prazer garantidos pelo comunismo, o mesmo que sugere essa visão de Musk, mas no capitalismo. É possível?
Desde que o mundo é mundo foi no trabalho que o homem encontrou condições de garantir sua sobrevivência, seja, no início, lavrando terras e, posteriormente, destituído dessas condições, escravizado por algum senhor, tutelado como servo por algum nobre ou explorado no sistema capitalista pelos proprietários dos meios de produção. Em todos esses sistemas e regimes de trabalho, a não ser em raros casos, dificilmente os donos do poder se deixaram levar por sentimentos de compaixão e de solidariedade para reduzir as desigualdades existentes e propiciar uma convivência mais harmônica da sociedade. Por que isso ocorreria na era da alta tecnologia dominada pela IA e os robôs?
Marx, no entanto, entendia da essência do capitalismo e sabia, muito bem, que o motor do capital é a busca desenfreada pelo lucro e que os investimentos que o capitalista realiza, enquanto personificação do capital, nada têm de nobre, de busca da justiça ou de preocupação com a humanidade. Musk dá a entender que o avanço das novas tecnologias irá mudar essa missão do capitalista e que este investirá em empreendimentos de custo elevados, contentando-se em distribuir os seus ganhos com os que não trabalham, cabendo ao Estado implementar políticas públicas robustas. É muita ingenuidade ou hipocrisia.
Musk também não dá respostas para duas questões fundamentais nessa fantasia: i) caso não se verifique, o que é mais provável, essa redistribuição de renda para os que não trabalham, como o sistema se reproduzirá sem demanda suficiente, se não existir renda para os desocupados? ii) sem atividade econômica robusta, como o Estado obterá recursos para implementar políticas públicas abrangentes e universais para destinar parcela da riqueza gerada para esses grupos?
O mais certo, considerando a essência do sistema, é que o avanço dessas novas tecnologias, termine, como já está acontecendo no mundo, destruindo o que ainda resta do mercado de trabalho e lançando os trabalhadores que não conseguirem emprego nos porões da fome, da miséria e da pobreza, dizimando-os ao ampliar crescentemente as desigualdades atuais. Enquanto isso, um grupo de privilegiados, aí incluídos os que se adaptarem a essas mudanças, contará com maior espaço no planeta, menor poluição e, mais importante, sem bocas inúteis para sustentar. A utopia de Musk pressupõe que a riqueza gerada pelo novo sistema que está avançando celeremente será distribuída de forma inclusiva, o que significaria que o capitalismo mudaria sua essência. Um embuste.
* Doutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Social e do Grupo de Estudos de Conjuntura da UFES, articulista do Debates em Rede, e autor, entre outros, do livro “Karl Marx: a luta pela emancipação humana e a crítica da Economia Política”, publicado pela Editora Contracorrente, em 2025.
Não há comentários postados até o momento. Seja o primeiro!