Fabrício Augusto de Oliveira*
Sempre que a família Bolsonaro se vê em apuros com a justiça recorre à democracia e a versos bíblicos para se defender, como se defensores do Estado democrático de direito e fiéis religiosos. Nenhum verso, no entanto, apareceu durante a pandemia da Covid, na qual mais de 700 mil morreram por absoluta falta de iniciativa do governo do ex-presidente no seu enfrentamento e, pior, com este lutando contra a vacina e ironizando seus efeitos para a população, e nem na defesa da democracia, contra a qual teceu planos para sua derrubada por um golpe de Estado.
Durante a pandemia, o que se ouvia do ex-presidente, ao mesmo tempo que defendia remédios sem efeitos para combatê-la, como a Cloroquina, era de que a Covid não provocaria mais de 600 ou 700 mortes no Brasil, e quem tomasse a vacina estaria sujeito a ter filhos na forma de “jacarezinhos”, ao mesmo tempo que imitava os que ficavam sem fôlego por seus sintomas, e, diante do número de mortes que se avolumava crescentemente, dizia simplesmente não ser “coveiro”. Ao planejar o golpe de Estado a partir de 2021, segundo as investigações realizadas pela Polícia Federal, ratificadas pela Procuradoria Geral da República (PGR) e condenado a 27,3 anos pelo Supremo Tribunal Federal (STF) limitou-se a afirmar, sem ruborizar, que havia feito tudo isso dentro das “quatro linhas da Constituição”. É muita cara de pau.
Condenado pelo STF no processo de tentativa de derrubada do Estado democrático de direito a 27,3 anos de prisão, e colocado em prisão domiciliar por outro processo de coação das autoridades do judiciário e pelos atentados cometidos contra a soberania do país, por desrespeitar as medidas cautelares a ele impostas neste segundo processo, Bolsonaro, às vésperas de ter a primeira condenação como transitado em julgado e ter sua prisão definitiva decretada, planejou um plano de fuga do Brasil, que, no final, se mostrou um fiasco. Decidida sua prisão preventiva por essa iniciativa malsucedida, tanto os versos bíblicos de sua família como os apelos aos valores democráticos voltaram a encher as páginas dos noticiários e da imprensa, em geral, do país. É muita hipocrisia.
Os fatos revelados sobre esse plano de fuga revelam um grande amadorismo na sua execução. Por ordem, seguiria o seguinte roteiro: i) Bolsonaro violaria a tornozeleira eletrônica a ele imposta como medida cautelar, com o que conseguiria burlar a vigilância do sistema de segurança, ficando livre para escapar: ii) Seu filho, Flávio Bolsonaro, faria a convocação para o dia seguinte de uma vigília em frente à sua casa para orar (?) pelo mesmo, criando um caos que, ao dificultar o trabalho dos responsáveis pela sua vigilância, criaria as condições para escapar; iii) Seu destino seria o de alguma embaixada próxima de sua residência - e a violação era importante por ser essa uma área da qual não podia se aproximar porque o sinal da tornozeleira acusaria -, muito certamente de algum país com quem tem identificação ideológica, para pedir asilo político. Não deu certo.
A principal falha do plano foi a tentativa frustrada de Bolsonaro de antecipar a violação da tornezeleira eletrônica, que o Sistema de Monitoração rapidamente identificou e comunicou ao ministro do STF, Alexandre Morais. Se bem planejado, essa violação deveria ter ocorrido quando iniciada a vigília sugerida por Flávio Bolsonaro e a instauração do caos que com ela seria criado para dar condições para o ex-presidente fugir. Com esse fato, tornou-se claro que a vigília planejada fazia parte de um plano mais amplo para a fuga. Em questão de minutos, ficou evidente para o ministro do STF o plano em curso, não lhe restando alternativa senão a de decretar sua prisão preventiva para impedi-la.
Com essa falha, Bolsonaro jogou por água abaixo as pretensões de seus advogados de lhe garantir, antes mesmo de ter sua prisão decretada com o trânsito em julgado de seu processo por atentar contra o regime democrático, uma situação mais confortável para cumprir a pena em sua residência. Tendo sido decretado o início de cumprimento de sua pela pelos atos antidemocráticos, tudo indica que terá de encarar a prisão em algum estabelecimento carcerário do Estado por algum tempo, onde não terá condições de armar um novo plano de fuga e, com este frustrado, atribuir tal tentativa à paranoia ou à alucinação causada pelos remédios que toma para suas doenças. Ainda bem. Pois como dizem os versos de Bocage: “céus não existem, não existe inferno; o prêmio da virtude é a própria virtude; o castigo do vício é o próprio vício”. Ou seja: aqui se fez; aqui se recebe ou se paga.
*Doutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Social e do Grupo de Estudos de Conjuntura da UFES, articulista do Debates em Rede, e autor, entre outros, do livro “Karl Marx: a luta pela emancipação humana e a crítica da Economia Política”, publicado pela Editora Contracorrente, em 2025.
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