Erlon José Paschoal*
O país viveu recentemente momentos de intensos confrontos e embates, em função de uma situação política, econômica e social provocada por uma crise de origem suspeita. A mídia hegemônica representada pela grande imprensa contribuiu massivamente para que a população ficasse dividida defendendo lados contrários, e fomentou diuturnamente o ódio, a intolerância e uma visão maniqueísta da sociedade, como se fosse uma disputa entre dois times de futebol, sem qualquer espaço para a reflexão.
O Congresso Nacional, por sua vez, foi palco de um espetáculo sem precedentes na História brasileira exibindo com orgulho e sem qualquer senso de ridículo posturas grosseiras e desrespeitosas, assumindo publicamente a falta de moral e de ética adornada com um cinismo infame. Tudo isso presidido por um verdadeiro gangster, chefe de quadrilha sem quaisquer escrupúlos, que se regozijava com os desmandos e vilezas ostentadas por seus cúmplices e comparsas.
A população assistiu a tudo isso estarrecida. Em muitos casos entorpecida e manipulada pela propaganda incessante levando-a a repudiar o suposto lado mal e corrupto da sociedade e da política brasileira e a enaltecer o lado bom, puro e que pretendia “salvar o país”. Sem dúvida, as consequências desta disseminação torpe, quase em forma de lavagem cerebral, de uma visão de mundo estreita e dividida em apenas duas partes – o bom e o ruim, o honesto e o corrupto, o bandido e o mocinho – levará talvez décadas para ser devidamente superada pelo conjunto da sociedade brasileira.
São questões para serem estudadas e tratadas por pesquisadores, mas também para serem debatidas em salas de aula e nos veículos de comunicação sérios e comprometidos com a evolução do país. Afinal, como acabar com a sem-vergonhice numa sociedade na qual o crime compensa e onde reina a impunidade? Desse modo, fica difícil abolir o pressuposto da atitude criminosa, uma vez que o trabalho honesto além de escasso, raramente leva ao enriquecimento lícito. Os péssimos exemplos dados por inúmeros juízes, políticos, empresários, governantes e detentores do poder induzem grande parte da população a transgredir regras sociais elementares e necessárias à convivência pacífica, e a desconsiderar quaisquer impedimentos éticos.
Os discursos oficiais difundidos pela grande mídia, por sua vez, se limitam a buscar bodes expiatórios para os males que nos afligem. O “subversivo”, causa de todos os nossos males durante o regime militar, foi substituído pelo “vermelho”, pelo “petista”, pelo “comunista”, culpado de todas as nossas anomalias atuais. Aliás, é bom lembrar que os grupos de extermínio e os esquadrões da morte tiveram origem naquela famigerada época. Desse modo, mascaram-se as causas e encobrem-se os grandes facínoras, empurrando-se espertamente a sujeira para debaixo do tapete.
Nos dias de hoje, quando somos incessantemente assediados por falsas promessas, logomarcas milagrosas e ilusões cativantes, uma certa dose de ceticismo é algo bastante saudável. Nesse mundo de aparências e slogans convincentes necessitamos de um sentimento ético profundo para nos orientarmos em meio a esse emaranhado de aberrações e separarmos corretamente o “jigro do troio”.
A maioria da população vive bombardeada por imagens reais e fictícias repletas de crueldade e contradições, sem ter nem sequer acesso à tecla “Ajuda”. Mas ao final, creio, - sou otimista - nosso bom senso, nossa alegria, e nossa fé contagiantes nos salvarão de um mundo dominado apenas por corruptos contumazes, cínicos inveterados, canalhas convictos e criminosos perversos. Segundo os chineses, a adversidade e as crises são extremamente importantes para o fortalecimento do caráter. Que assim seja!
* Gestor cultural, Diretor de Teatro, escritor e tradutor de alemão.