Por Jussara Colen Rieveres*
Aconteceu. Mais uma eleição, desta vez municipal. E eu aqui pensando em como desejei que no Brasil houvesse eleições diretas em todos os níveis.
Eu era jovem e acreditava que eleições livres produziriam políticos honestos, comprometidos com os eleitores e com as propostas apresentadas nas campanhas. O pior período da nossa história vivia seus últimos dias e logo estaríamos livres do autoritarismo que punia as divergências com a tortura, o exílio e a morte. Finalmente ficaríamos livres dos ditadores que pretendiam nos proibir até mesmo de pensar.
Com fé e alegria compareci aos comícios, passeatas, atos e manifestações pelas Diretas Já. Tempos depois convocaram um plebiscito e votei contra o parlamentarismo convencida das vantagens do presidencialismo; apostei na importância da participação política para obter as transformações que resultariam numa sociedade menos injusta e troquei horas de precioso lazer por intermináveis reuniões e assembléias.
Passada a juventude fui recompensada com um sombrio filme de terror: a votação do impeachment da Presidente Dilma na reunião da Câmara dos Deputados.
“Pelos meus filhos”, “pelos meus netos”, “pela tia Rosinha”, “pela minha mãe” e etc., etc., lá estavam eles votando ao vivo e em cores para todo o Brasil!
Pensei: era isso? Foi por isso que eu lutei tanto? Foi por isso que eu fui às ruas pedir democracia, eleições diretas, melhores salários, educação de qualidade, saúde decente para todos? São estes os meus representantes?
Então, chegou a hora de eleger prefeitos e vereadores e o horário na TV apresenta o mesmo cenário de filme de terror. Não vou citar os horrores porque todos estão vendo o Zé da Bolinha, o João da Padaria, a Tia Mariquinha e muitos mais, com nenhum discurso a não ser, coitados, se apresentar, deixar nomes e informar o próprio número.
Isso sem entrar no mérito dos nossos candidatos a Prefeito que não ficam nem um pouco atrás. Temos a “honra” de ter um candidato apresentador palhaço de televisão que agora se apresenta sério e circunspecto.
Será que temos algum motivo para votar nestes cidadãos? Já ouvi pessoas (de bem, até) dizerem que estão ajudando um candidato comprometido com determinado projeto em áreas como educação, saúde, esportes. Uma simples verificação esclarece que o tal projeto é exclusivamente pessoal destinado a permitir que seu autor apareça e possa “se dar bem”.
Desde que conquistamos o direito de votar em eleições diretas compareço às urnas e deposito meu voto com a convicção de ter escolhido o melhor candidato. Já dizia a minha mãe, pretensão e água benta não fazem mal a ninguém, não é mesmo?
Votei para Presidente pela primeira vez aos 36 anos de idade e não me esqueço da emoção que senti ao colocar meu voto na urna (é, naquele tempo não havia urna eletrônica. Era papel mesmo). Levei meus filhos comigo e muito comovida, chorei ao terminar de votar.
Tempos depois venho declarar que anulei meu voto nestas eleições municipais. Que vergonha.
Não votei na Dilma. Mesmo assim esperava que ela concluísse o mandato conferido pelo voto popular. Nas Democracias a vontade dos eleitores costuma ser respeitada. No Brasil a voz das urnas foi ignorada pelos mesmos políticos corruptos e mentirosos que há tempos nos infelicitam.
Neste momento anular o voto me parece a forma adequada de expressar minha profunda rejeição àqueles que foram capazes de trair os princípios que sustentam o Estado de Direito que duramente conquistamos.
*Economista, Mestre em Demografia e ex Chefe do IBGE/ES