Por Túlio Bambino*
A gente não precisa conhecer a diferença entre uma rabeca e um violino para sentir que algo vai mal com a execução de Asa Branca naquela performance ali na esquina, afinal de passagem e com uma cerveja na mão, a gente segue em frente e no minuto seguinte os olhos nos guiam para o mural do Kobra, lá adiante e é vida que segue.
Contudo, sentado numa salescura o som do filme é fundamental para uma boa experiência e vale a pena sempre entendermos um pouco daquilo que escutamos vendo o filme para que no próximo boteco, possamos dizer algo além do gostei ou não gostei.
Cabe lembrar que o cinema, nascido no final do século XIX, começou a articular suas primeiras palavras com boa sincronia de seus lábios e som próprio com mais de 30 anos de idade. O uso do som era visto com desconfiança e pouco entusiasmo pelo corpo de realizadores de cinema, afinal com vinte e tantos anos sem falar o cinema se expressava muito bem. Basta ver alguns filmes dos anos 20 de Vertov, Renoir e Murnau. As dificuldades técnicas de captação e exibição eram também imensas, afinal de contas as salas da época eram projetadas para exibir filmes sem som. Estruturas de teatro de variedades com música ao vivo era aquilo que tinha. Lógico que o mercado sempre ávido por novidades, em conjunção com a salvação da bancarrota da MGM pelo filme “Jazz Singer” de Al Jolson derrubou a tonelada teórica com cem gramas de prática. E o cinema começou a falar pelos cotovelos.
Entre brigas de patentes, estabelecimento de protocolos de captação e exibição, e o detalhe das guerras e muitas tensões dos meados do século passado, o cinema de Estúdio se impôs e muitos filmes foram feitos assim nos Estados Unidos. Foi preciso a chegada do Neo Realismo italiano e a Nouvelle Vague francesa um pouco depois, para tirar o set do lugar confortável de cenários e boas condições das instalações do Sistema de produção para pensar em alternativas. O cinema vai anexando essas diferentes linguagens, técnicas de documentaristas, uso de câmeras leves e gravadores de tira colo para as coisas avançarem. A necessidade de espetáculo para ter lucro se consolida nos anos 70 e a evolução técnica das salas de exibição também. ”Apocalypse Now” é um filme que marca isso muito bem.
Aqui no Brasil o cinema Nacional sempre pagou o seu quinhão de qualidade sonora de maneira prática, como a grande maioria dos filmes sempre foi estrangeiro, o filme sempre foi mais lido do que ouvido e a exibição de um filme em língua nativa soava literalmente cotó e por mais estranho que pareça, o filme Nacional era menos entendido que o Estrangeiro. Com isso, na prática o time do som na hora de produzir é menor e tem uma fatia magrinha do orçamento na hora de fazer as coisas acontecerem. Isso vem mudando e uma vez que as salas possuem certificação de qualidade Dolby por aí a fora a qualidade sonora de inteligibilidade dos diálogos em língua mãe é o mínimo que podemos esperar. Muito se avançou, mas ainda podemos melhorar mais.
O que acontece é que filmes em tempos de Capitão Nascimento e outras aventuras, não podem concorrer com o som do balde de pipocas e dos papéis de bala ao seu lado, a experiência do cinema demanda uma sinestesia seja em filmes do 007, do Senhor do Anéis ou da Moça que chora em seu dilema amoroso. Você está ali, comprando aquela história, quando de repente aquele som de chocalho de sal com milho, derruba sua dimensão de sonho no chão da sala de cinema, esgarçando o contrato estabelecido com o filme e comprometendo sua experiência na sala escura. É por isso que silêncio faz muito bem ao som do filme, na falta dele haja volume e Dolby surround em nossas cabeças.
*é carioca, filho dos anos 60. Graduado em Física na Universidade Federal Fluminense e em Cinema pela Universidade Estácio de Sá. Lutou Judô e sabe tocar bateria.
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