Conto II - Os Transportes
Por Ricardo Coelho dos Santos*
Quando estive em Equinata, uma das coisas que mais me chamou a atenção foi o problema dos transportes.
Mesmo sendo um reino muito pouco conhecido, ele é grande o suficiente para o problema dos transportes merecer um ministério especial. Como, para ser ministro em Equinata, é mandatório que se faça parte do prestigiado Clube dos Fidalgos, em que cada membro possui mil outras atribuições sociais a serem atendidas, ficou-me uma impressão, talvez um tanto errônea, de que tal ministro faz de tudo um pouco, menos cuidar dos transportes.
Cada cidadão euquinateano que compra ou abastece um automóvel ou utiliza um ônibus paga um imposto dedicado à manutenção das estradas. É notável que poucas rodovias de lá possuam mão dupla, mesmo tendo um tráfego constante, com filas intermináveis e inúmeros acidentes causados por motoristas impacientes, incapazes de esperar cobrir uma distância de dez quilômetros em duas horas e meia. Pela quantidade de automóveis e passageiros de ônibus, creio que os impostos pagos deveriam ser suficientes para, pelo menos, reduzir o número de buracos nas estradas. Há até algumas empresas, propriedades de membros do Clube, que usam o artifício genial de cobrir os buracos com uma mistura de piche e brita que acaba dando certo, porém, tem pouca duração e, logo, os trabalhos devem ser repetidos, principalmente depois de uma chuva.
Aliás, a tecnologia de construção de estradas deles não é das mais eficientes, pois o pavimento não suporta o peso de caminhões, ficando tão deformado que podem até danificar veículos de passeio.
Como o imposto sobre estradas se tornou insuficiente, o Clube dos Lordes convenceu ao rei cobrar um imposto especial de uma empresa pertencente ao patrimônio do rei. Depois, ainda, convenceu ao rei decretar uma taxa anual adicional para todos os veículos do reinado.
Mesmo assim, o imposto continuou sendo pouco! Um crítico observou que estava sendo cobrado impostos e taxas demais para um mesmo motivo e, assim, resolveram suprimir algumas cobranças, principalmente porque o Clube dos Lordes recebera a notícia de que um deles seria o Primeiro Ministro por escolha popular. Então, se decidiu cobrar pedágios nas rodovias.
Na primeira fase da cobrança de pedágios, o rei se viu obrigado a melhorar todas as principais rodovias do país; dizem que era para atender ao antigo ensejo popular. Depois, por um valor simbólico, entregaram as rodovias a membros do Clube que passaram a cobrar os valores que eles acharam os mais adequados, seguindo um critério que ninguém entendera. Interessante é que divulgaram que copiaram a maneira de ser das nações mais adiantadas do planeta, mas se esqueceram que, nessas, há sempre uma estrada vicinal para quem não quer pagar pedágio. Em Equinata, tal opção não existe.
Hoje, ao que parece, o rei não mais permite reformar as rodovias antes de as entregar. O Lorde que a assumir, assumirá também as melhorias. Há várias máquinas nas estradas que foram entregues recentemente e, também, grandes obras para as construções de postos de pedágio, além de novas sinalizações e propagandas. Até o momento, a duplicação das vias e os contornos dos municípios não foram vistos, mas o tempo há de mostrar as promessas cumpridas!
Interessante é que há outra forma das nações mais adiantadas resolverem seus problemas de transporte: ferrovias! Mas, em Equinata, parece que o Ministro dos Transportes foge disso. Talvez porque, por causa do investimento inicial elevado, mas menores valores a serem pagos para a população, o Clube dos Lordes, sempre preocupado com o conteúdo do Tesouro Nacional, posterga a aplicação das Estradas de Ferro. A própria mídia do reino, também controlada pelos Lordes, até demonstra que ferrovias naquele reino são piadas, tamanha sua inexequibilidade.
O Transporte Urbano também é um problema naquele estranho reino. Mas não é da alçada do Ministro dos Transportes. Também não é alçada do Ministro das Coisas Urbanas. Na verdade, um acha que é com o outro e ninguém faz nada em relação ao problema. Creio que, pelo tenho visto das respectivas atuações, mesmo que um ministro assumisse a tarefa, seria um Lorde atarefado demais para resolver esse problema considerado menor.
A questão urbana foi então resolvida pelo Clube dos Lordes de maneira salomônica. Alguns Lordes adquiriram empresas de ônibus e, mais tarde, convenceram ao rei para jogar tal problema para a Iniciativa Privada, isso é, para as suas responsabilidades. Construção de metrôs, trens e monotrilhos deixaram então de ser feitos. Ruas fechadas só para circulação dos ônibus e terminais de passageiros foram construídos pelos Lordes Prefeitos beneficiados, usando de impostos municipais canalizados para as obras e para os incentivos políticos dessas, necessários para que a integração entre o que é público e o que é privado surja efeito.
As cidades estão com cada vez mais ônibus, uma vez que trens, bondes e metrôs são soluções ultrapassadas. O monotrilho e, nas cidades insulares do reino, serviços de barcos são até ridicularizados, de tão fora de moda que estão. A mídia ajuda a isso.
O Clube dos Lordes de Equinata realmente tem muito a trabalhar. Não sabemos se um ministro menos ocupado consiga fazer alguma coisa, mas isso é algo para o rei deles se preocupar!
* Engenheiro e Escritor