Por Erlon José Paschoal*
Quando, no final da década de oitenta, cheguei a Vitória vindo do Rio de Janeiro, onde tive o prazer de morar por algum tempo, depois de dois anos em Belém do Pará e dois anos na Alemanha, tive inúmeras surpresas agradáveis. Uma delas foi conhecer o Teatro Carlos Gomes, o primeiro espaço cultural que visitei na cidade. Num dia comum à tarde solicitei aos responsáveis na ocasião permissão para percorrer os espaços internos no teatro. Deslumbrei-me com a simplicidade e a beleza arquitetônica do conjunto. Caminhei lentamente pelo palco e parei por algum tempo ali, em silêncio, tentando imaginar o quanto aquele espaço guardava de vida, quantas situações humanas já haviam sido representadas sobre aquele piso de madeira.
Os palcos dos teatros mais antigos possuem sempre uma aura especial e mantêm uma atmosfera de intensidade emocional raramente encontrada em outros ambientes. Nesses momentos entendemos a origem ritualística e sagrada da atividade teatral e a magia da metamorfose do ator. Lembrei-me, ali, da bronca dada por Pina Bausch em dois indivíduos, alheios ao ensaio, que riam e falavam alto no palco do Teatro Municipal de São Paulo, em certa ocasião. A renomada coreógrafa alemã exigiu silêncio e respeito naquele espaço que é, ao mesmo tempo, de exibição total e de extrema intimidade, onde o falso e o verdadeiro se fundem numa harmonia lúdica mantida inalterada ao longo de milênios.
Anos depois tive o prazer de pisar novamente o palco do Teatro Carlos Gomes, ora como ator, ora como diretor ou coordenador de Teatro da Escola de Teatro e Dança Fafi, em peças marcantes para todos os envolvidos – atores e público –, tais como Ainda bem que aqui deu certo, que escrevi em parceria com Margareth Galvão, a ópera Dido e Enéas, de Henry Purcell, As cadeiras, de Eugène Ionesco, O muro, de Silvio Barbieri, Gianni Schichi de Puccini, entre outras, e em eventos culturais diversos como gestor cultural e como diretor da FAMES. No fundo, a sensação de penetrar uma atmosfera íntima e densa, que impõe silêncio e aguça a percepção, permanece praticamente a mesma.
O teatro sempre foi para mim um local de diversão, entretenimento, trabalho, exercício lúdico e encontro com as forças criadoras, fosse no palco ou na platéia. Os ensaios finais no teatro são momentos de profunda dedicação, doação e entrega, que culminam na celebração conjunta com o público. Diferentemente do cinema, o público participa ativamente do ritual teatral e compartilha sensações e conhecimentos mediante um contato transformador, quando se trata de um bom espetáculo, um bom texto e feito por bons atores, é claro.
Desde o final da adolescência o teatro é parte integrante de minha vida, primeiro como ator, depois como diretor, dramaturgo e professor. Portanto sair de casa, ir ao teatro, sentar-se na penumbra daquele espaço mágico, ser capaz de apreciar a beleza implícita na metamorfose do ator, comover-se com a precisão de seus gestos e a leveza de seus movimentos, exercitar a sensibilidade, o raciocínio e o senso crítico, tudo isso continuará sendo para mim uma experiência prazerosa, intensa, instigante, estimuladora do convívio social e absolutamente insubstituível.
* Gestor cultural, Diretor de Teatro, escritor e tradutor de alemão.