Quais são os problemas jurídicos e políticos da candidatura Lula à presidência? Começando pelos primeiros. Há hoje cinco processos tramitando contra ele na Justiça. As acusações são: a) ser dono oculto do Triplex do Guarujá, que teria sido produto de pagamento de propina pela OAS em contratos com a Petrobrás; b) ter tentado obstruir a Justiça pela compra do silêncio do ex-diretor da Petrobrás, Nestor Cerveró; c) ter pressionado o BNDES a conceder empréstimos à Odebrecht, tanto na fase em que foi presidente como depois; d) ter interferido na compra de caças da Suécia e na prorrogação de incentivos ficais para montadoras de automóveis; e) ter recebido propina da Odebrecht, usada para comprar a sede do Instituto Lula e o apartamento ao lado do seu em São Bernardo.
Além disso, o Ministério Público Federal do Paraná acusou Lula de ser proprietário oculto do sítio em Atibaia, como resultado de pagamento de propina pela Odebrecht e pela OAS. Esta peça ainda precisa ser acolhida pelo juiz Sérgio Moro. Dos cinco processos citados, dois estão com Moro e três em Brasília. E há outros elementos contra Lula que podem gerar novas peças: a) a delação de Marcelo Odebrecht, segundo a qual ele teria recebido R$ 13 milhões em espécie; b) tráfico de influência nas obras do porto de Mariel, em Cuba.
O processo sobre o Triplex está em fase de conclusão. Recentemente, a peça acusatória foi vista como sendo legalmente fraca. Só que não é este o ponto principal. Quando um juiz condena uma pessoa incorretamente, o que acontece? Ela recorre ao nível superior e consegue a reforma da sentença. Qual o resultado disso para o juiz? Nenhum. O magistrado não é punido por errar. Ou seja, se Moro condenar Lula no caso do Triplex e a instância superior alterar sua decisão, nada acontecerá com ele. É custo zero. Já os outros juízes são mais discretos e estão tratando os processos de forma menos sensacionalista. Isto, porém, não garante nada com relação aos seus resultados.
Hoje, existe um debate sobre a possibilidade de Lula ser candidato à presidência sendo réu. O Ministro Marco Aurélio Mello afirmou que apenas uma condenação por colegiado o impediria de disputar. Além disso, se tomar posse, não poderia ser processado por atos estranhos ao exercício de suas funções. Com isso, os processos ficariam parados, esperando pelo fim do mandato. Todavia, o Supremo Tribunal Federal não tomou uma decisão específica sobre isso.
De qualquer forma, o que aconteceria se Lula fosse condenado em primeira instância em um dos processos citados ANTES de ser eleito presidente? O STF impediu Renan Calheiros de assumir a presidência, pois entende que um RÉU não pode estar na linha de sucessão da chefia do Executivo. E o que aconteceria com um presidente eleito que tenha sido CONDENADO em primeira instância? Este é um tópico sobre o qual não há decisão, mas pode vir a ser um problema. O presidente não pode ser processado por atos estranhos ao exercício do mandato. E se o atual Congresso alterar a Constituição ANTES da posse de Lula, permitindo a abertura de processo por atos precedentes? Neste caso, como ele responde hoje a cinco processos (e podem aumentar), eles passariam à esfera do STF, que iria pedir licença para processar o presidente várias vezes seguidas. Lula teria que comprar votos na Câmara para não ser afastado.
Estes são os aspectos jurídicos. Passemos aos políticos. Qual seria a razão para eleger Lula? Os defensores desta candidatura afirmam que ela é a única capaz de reverter as medidas que estão sendo tomadas agora. A Frente Brasil Popular apresentou um plano de emergência, que tem o propósito de funcionar como um programa de governo. São 9 página e 76 pontos. Não é possível fazer aqui uma análise do documento, mas vale a pena destacar o fato de que ele pressupõe a antecipação das eleições presidenciais para 2017 como primeiro passo para se travar uma disputa política capaz de criar uma correlação de forças favorável à convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte.
Lula não é citado pela Frente Brasil Popular. Porém, pela sua composição e pelo lugar que o ex-presidente ocupa nas pesquisas, fica implícito que a campanha Diretas Já em curso hoje tem o objetivo de antecipar a eleição presidencial e usar a candidatura de Lula como uma forma de mobilização popular para ganhar o Executivo e, na sequência, ampliar o enfrentamento com os setores conservadores, formando uma maioria na Constituinte. A pergunta que fica é a seguinte: o candidato Lula está disposto a isso?
O discurso que ele vem fazendo não aponta temas específicos. O que Lula faz é se defender, repetir a afirmativa segundo a qual é a pessoa mais honesta do Brasil e usar a seu favor o bom desempenho que teve como presidente. É uma estratégia que o força a responder às seguidas acusações que surgem a cada momento.
Além do mais, com cerca de 30% dos votos, ele precisa atrair uma parte do eleitorado, tendo que moderar a sua fala e não se comprometer com medidas polêmicas. A posição privilegiada de Lula nas pesquisas hoje já está sendo usada pela direita como fantasma para testar opções eleitoralmente mais fortes. Se ele assumir o papel de agitador que a Frente Brasil Popular espera, conseguirá vencer? Estas são perguntas pertinentes, pois, nunca antes na história deste país uma liderança foi tão enredada num conjunto de problemas jurídicos e políticos como os que vemos configurados.
*Professor do Departamento de História/UFES
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