Por Ricardo Coelho dos Santos
Os dois netos de dona Onofrina adoravam aquela avó. Eram-lhe muito atenciosos e, nas suas vidas, dedicaram mais tempo a ela do que a seus pais. Eles simplesmente adoravam a velha. Carlúcio, o primo mais velho, não tinha se formado ainda, e trabalhava como biscateiro, herdando o empreendimento do seu falecido pai, o genro que a velha não gostava. Ela tinha todo um carinho por esse neto, mas não vislumbrava nele nenhum futuro. Já Francelino, filho de um advogado e vereador mineiro que trabalhara para um governador de mesmo nome, era economista e sonhava ser consultor de empresas. Mas ainda era novo, com pouco mais de vinte anos, e estava, logicamente, desempregado.
E dona Onofrina, preocupada com os netos, um sem futuro presente e outro só com futuro, juntou um dinheirinho das suas economias e resolveu lhes ensinar um negócio capaz de lhes render um bom capital. Excelente cozinheira que era, fazia um hambúrguer imbatível. Diziam que se ela os vendesse numa lanchonete, ficaria rica num instante. Estava, então, na hora de pôr essa opinião geral à prova.
Com seu dinheiro, montou uma lanchonete e chamou seus netos para trabalhar em parceria. Primeiro, ensinou-lhes a fazer o pão. Eles penaram até aprender a fazerem pães tão gostosos como o dela — não havia como saber a diferença entre eles. E foram, na verdade, três tipos de pães: normal, de batata e de duas cores, feitos com abóbora e espinafre, que deixavam qualquer um louco.
Depois, ensinou-lhes a fazerem os bifes. E foram também três tipos de hambúrguer: um de carne, outro de frango e um especial de queijo com anchovas defumadas que não deveria ter o nome de hambúrguer de que quer que fosse, e os netos, gaiatamente, passaram a chamar de “onoburguer”, por causa da velha. De início era piada, mas o nome acabou vindo a pegar!
Então, com esses valiosos conhecimentos, os rapazes se estabeleceram. Abriram a lanchonete, acharam um vendedor de cerveja artesanal e colocaram algumas fotos atrativas nas paredes, um fundo musical que agradava jovens e adultos e ainda contrataram garçons e garçonetes jovens e com jeito de se comunicarem bem na moda. Pronto! Sucesso absoluto! O “onoburguer” chegou a ser objeto de reportagem e a fama do estabelecimento causou até mudanças no bairro onde estavam.
Satisfeita por ter dado um alinhamento às vidas dos netos, dona Onofrina pôde fechar seus olhos para sempre. Foi uma dor e tanto! O estabelecimento fechou por dois dias e, no terceiro, abriu com uma seção especial de luto juntamente com os fregueses mais assíduos. Todos vestidos de preto com cada hambúrguer vindo com uma fita negra de enfeite. O som, naquele dia, foi cortado.
Depois desse triste acontecimento, os negócios prosseguiram às mil maravilhas, até um dia que os primos se desentenderam pela primeira vez. Nada de grave, não brigaram entre si, mas não concordaram com a forma que tocariam os negócios. Foi por causa do ketchup. Ambos concluíram que tinham de mudar de marca. Pensaram e colocar um molho próprio, da marca deles, mas isso seria, no momento, economicamente inviável. Então, discutiram qual seria a nova marca. Carlúcio, satisfeito com a freguesia, queria uma marca de grande qualidade, mas Francelino discordou. Mostrou que havia outra marca, melhor que a que eles usavam, porém mais barata, e isso aumentaria os lucros. Carlúcio preferiu usar a melhor marca do mercado, uma que não era vendida em pequenos sachês, somente em bojudas garrafas plásticas. Já Francelino explicou que os clientes não iriam abandonar o estabelecimento deles só por causa do molho de tomate. Fazendo as contas, as garrafas que o primo Carlúcio queria adotar gerariam um custo equivalente a dez centavos a mais em relação a cada sachê do Francelino. Custo alto por unidade de sachê — poderia perigosamente inviabilizar o comércio deles.
Não conseguindo mais acharem um termo à discussão, resolveram desfazer amigavelmente seus negócios e cada um montou sua própria lanchonete com exatamente o mesmo cardápio, os mesmos preços e os mesmos estilos de atendimento, com a diferença que a lanchonete Carburguer tinha um ketchup bem melhor que a concorrente FrancBurguer.
Resultado: os fregueses só iam na FrancBurguer quando a Carburguer ficava tão lotada que faziam fila. Francelino ainda tentava mostrar ao primo que ele tinha um índice de custo menor, e que o pobre Carlúcio poderia ver seu negócio ir à bancarrota, mesmo com muito mais fregueses, por usar produtos tão mais caros.
O fato é que, mesmo com margem de lucros menor, Carlúcio ganhava mais, e aumentou a diversidade de pães oferecidos nos seus hambúrgueres. Acrescentou ainda um pão com alho e outro com cebola na massa. Já Francelino, ainda apostando nos índices econômicos, resolveu oferecer um só tipo de pão. Surgiu um padeiro que se apresentou a ambos, oferecendo sua produção, mas Carlúcio preferiu ainda fabricar seus próprios pães. Francelino, vendo a praticidade do novo negócio, aceitou, e passou a oferecer pães de qualidade inferior, mas bem mais baratos e menos trabalhosos do que manter uma produção própria.
Carlúcio aumentou a lanchonete. Abandonou de vez a ideia de fabricar seu próprio ketchup, mas, em compensação, comprou uma fazenda e passou a produzir suas próprias batatas, cebolas e alhos. O trabalho aumentou muito e o pobre Carlúcio acabou entregando a gerência do negócio a Francelino, agora falido, enquanto passou a vistoriar a fazenda, as duas novas filiais do Carburguer e vender suas duas carnes de hambúrguer e “onoburguer” nos supermercados. Fregueses até compravam, mas não conseguiam preparar tão bem como nas lanchonetes, que estabeleceram um rigoroso padrão de qualidade para que todas possuíssem exatamente a mesma oferta de produto. Nesse ponto, as fabricações dos produtos já não eram mais nas lanchonetes, mas em duas fábricas próprias: uma de massa e outra de carnes. O trabalho de Carlúcio aumentava, ainda mais que, percebendo que as fábricas trabalhavam com certa ociosidade, passaram a uma fazer também pizzas e esfirras e outra a produzir salsichas especiais.
Carlúcio trabalhava muito, mas mais na supervisão do seu pequeno império do que um trabalho braçal. Francelino, gerente administrativo da rede de lanchonetes, até se contentou com o ótimo salário que seu primo lhe entregava. Mas nunca se conformou com o fato de como alguém com menor índice de lucro construiu um império. Certamente, faltou uma aula importante no seu curso de Economia.
Carlúcio seguiu a máxima da sua avó, que dizia que só se prospera com muito trabalho e entregando ao patrão, ou, no caso, seus fregueses e clientes, o melhor do que pudesse dar. Nenhum curso acadêmico daria uma lição melhor que essa!