
Por Adolfo Breder
"Da janela vê-se o Corcovado, o Redentor, que lindo!" E também o Pão de Açúcar à esquerda do amplo horizonte da Cidade de São Sebastião. Do avião nao se ouve o samba, mas o roncar de seus motores a pousar ou decolar para outras paisagens, indiferente.
Estamos no Galpão, Kelson's, Mandacaru, Cais... Estamos em Marcílio Dias, entre a Linha Vermelha e a Avenida Brasil. Entre línguas de esgotos a céu aberto e ratazanas esfaimadas roendo ritmadas a tranquilidade das famílias.
Casas minúsculas de papelão, plástico, compensado e madeira de caixotes abrigam famílias inteiras, abandonadas ao Deus dará! Meninos e meninas de três anos caminham sozinhos pelas vielas, distantes de suas moradias. A renda média per capta é inferior a cinquenta reais mensais.
Para melhorar um pouquinho o IDH, existe uma escola para os quatro primeiros anos fundamentais, com suas dedicadas professoras. Estado ausente. Tráfico presente e atuante.
Durante três meses visitamos cerca de 400 casas numa campanha preventiva contra a proliferação do Aedes egypti. A lembrança mais marcante é a da descrença das pessoas, quando informávamos que receberiam um kit de proteção, mesmo dizendo que não estávamos ali disputando suas preferências eleitorais. Brasília, congresso, impeachment e outros penduricalhos da nossa política circunstancial não influenciam essas vidas de esperanças maltrapilhas. Tivemos que avisar em alta e repetida voz: NÃO SOU DE VOTO!
Bem do nosso lado, atrás de outdoors e de palacetes, indigentes entorpecidos pelo crack e mães divididas entre ganhar o pão ou perder seus filhos, convivem numa cidade de direitos submersos, usurpados pelos privilégios - que muitos de nós exibem despudoradamente. Aqueles são cartas marcadas de um jogo viciado, que banca os eleitos vencedores e isola em insalubres guetos seus olhares opacos, desprovidos de sonhos e de esperança.
Na TV não adianta mudar de canal. A lenga-lenga oportunista da maioria dos candidatos é insossa e um aviso de que nada querem mudar! Naqueles territórios abandonados, eles aparecem em revoada, saltitantes e sorridentes, sequestrando com cortesia a dúvida e a indecisão.
Neste confuso ambiente olímpico, paralímpico, eleitoral e temerário, cada dia mais EU SOU DEVOTO do mandamento: “A cada um de acordo com a sua necessidade. De cada um de acordo com a sua capacidade”: Todos nós estamos incluídos. Então, mãos à obra.