Por Fabrício Augusto de Oliveira*
Em 2009, quando o ex-presidente da República, José Sarney, começou a ser acusado de usar atos secretos no Senado Federal, do qual era presidente, para nomear parentes nessa Casa, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva tratou de defendê-lo e colocou-o no panteão dos homens que estão acima das leis humanas, com uma frase que entrou para a história: “Sarney tem história no Brasil suficiente para que não seja tratado como uma pessoa comum”. É possível que Lula já estivesse criando, antecipadamente, uma categoria especial de cidadãos, na qual obviamente se incluiria, aos quais tudo é permitido fazer, que nem devem prestar contas à sociedade e, menos ainda, terem os seus atos investigados pela justiça.
Passados oito anos, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal 9STF), composta pelos ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Celso de Mello e Edson Fachin deu razão a Lula, apenas com o voto contra de Fachin, e aceitou o recurso apresentado por Sarney, citado nas delações da Operação Lava Jato, de que não poderia ser julgado em primeira instância, concedendo-lhe o foro privilegiado que deixou de ter desde 2015. Com essa decisão, Sarney embora não tenha sido colocado ao lado de Jesus Cristo, como pretendia Lula, tornou-se um cidadão especial, com direito diferenciado em relação aos demais mortais. Não pelo fato de ser um imortal da Academia Brasileira de Letras, com o seu livro de poemas “Marimbondos de Fogo”, mas simplesmente por ter sido político e ex-presidente da República.
Há poucos dias, o ministro Celso de Mello, ao confirmar a indicação de Moreira Franco como ministro da Secretaria da Presidência da República, o que lhe dá o benefício do foro privilegiado, argumentou que essa instituição não o exime nem de ser investigado, nem de ser condenado pelo STF. Neste aspecto o ministro tem razão, mas esqueceu-se de acrescentar que processos contra políticos no Supremo tendem a mofar nas gavetas do tempo até serem prescritos e que somente em raros e excepcionais casos estes julgamentos ocorrem. Os casos de Jucá, o Caju, de Renan Calheiros e do ex-presidente Fernando Collor de Mello, só para lembrar de alguns mais evidentes na atualidade, estão aí sem conhecerem avanço algum. Não seria o caso de o ministro também se indagar sobre a razão de os políticos preferirem ser julgados pelo STF?
As indicações do presidente Temer, quase sempre desastradas e na contramão de compromissos éticos, de Alexandre Moraes para o cargo de ministro do STF e do deputado Osmar Serraglio para o Ministério da Justiça, podem colocar dificuldades adicionais para o Judiciário desempenhar o papel de salvaguarda da democracia no Brasil. O primeiro terá de demonstrar que se equivocou, em sua tese de doutorado, ao defender que se deveria evitar a indicação de membros do Executivo para a Suprema Corte, considerando que poderia ocorrer, neste caso, o chamado “voto de gratidão”. O segundo, confesso crítico da Operação Lava Jato, fiel aliado de Eduardo Cunha, quando presidente da Câmara dos Depurados, e favorável à punição de juízes e autoridades por “abuso de autoridade”, disposto a macular o projeto de iniciativa popular de combate à corrupção para defender seus pares, terá de rever seus conceitos de democracia para se sintonizar com o cargo, o que nem sempre é possível depois de consolidados certos valores e defeitos com a idade.
O fato é que os riscos de se conseguir manter aberta a janela para que a luz do sol possa operar como poderoso detergente para limpar a corrupção no Brasil só tem aumentado depois que os setores mais poderosos passaram a se sentir mais à vontade e com maior liberdade para se unirem com o objetivo ou de melar ou de dificultar as investigações no país. Se as coisas continuarem como estão, certamente continuaremos assistindo ao desfile diário, nos telejornais, das muitas autoridades que já deveriam estar condenadas, ocupando altos cargos como representantes do povo brasileiro, devido à “suruba total” que parece estar se instalando no país, para usar uma expressão chula do sempre certeiro Senador Jucá, que continua se safando de todas as denúncias. E ainda há que diga que as instituições democráticas continuam fortes no país. Afinal, vender “ilusões” para a população tornou-se um modo altamente vantajoso para o governo e para os que são “abençoados” pelo poder de continuar mantendo as coisas como estão.
* Doutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Social, colunista do Debates em Rede e de O Beltrano, e autor, entre outros, do livro “Política econômica, estagnação e crise mundial: Brasil, 1980-2010”
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