Por Guilherme Henrique Pereira*
O Estado do Espírito Santo tem características muito interessantes para estudos sobre o desenvolvimento econômico e sobre as políticas de promoção dos investimentos. Formado por um pequeno território, incrustado na região mais rica do país, há pouco mais de meio século exibia alto nível de pobreza. Por essa razão, se tornou generoso na implementação de políticas ditas de desenvolvimento. Exibe hoje nível elevado de renda per capita, alcançado muito mais em razão de grandes plantas industriais que viram nesse território fatores locacionais positivos para o seu ramo de negócio, do que como resultado de um projeto da elite capixaba. Portanto, um processo de melhoria de indicadores econômicos não orgânico e, como tal, dificilmente terá continuidade em face do novo padrão tecnológico que move o mundo atual.
Haveria algo que dificulta a formação de um projeto regional de desenvolvimento mais dinâmico, mais corretor das desigualdades de renda, de bem estar, de riqueza e de distribuição dos recursos naturais entre gerações?
SHAYDER (2017) (1) apresenta uma tese bastante interessante sobre a propagação de um discurso que coloca o ES como o território abandonado pelo poder central, perseguido pelos demais estados, esquecido nos orçamentos federais e assim por diante. De fato, este discurso aparece na maioria dos governantes desde o século XIX, para alguns autores, aliás, já estava presente nas lamentações do Donatário, Vasco Fernandes Coutinho. Para SHAYDER (2017), de tanto ser repetido acaba se tornando o mito fundador do Estado do Espírito Santo.
Sugere aquele autor que as elites locais ao incorporarem esse discurso, ainda muito utilizado neste início de século XXI, o fazem como forma de obter apoio para os seus planos. Somos pequenos, frágeis do ponto de vista econômico, deficientes em recursos, perseguidos, portanto, temos que fortalecer a nossa união. Em torno de ...? Claro, por acaso, em torno do meu projeto político que lhes apresento agora e que eu sou a liderança certa para executá-lo. O argumento também foi, e ainda é, muito utilizado para justificar os fracassos sofridos. Não alcançamos os resultados esperados porque há culpados, ou seja os demais estados que esmagam o ES e a União que não o apoia realizando aqui os investimentos que os capixabas merecem.
SHAYDER (2017) registrou com precisão a trajetória do discurso que consolida, segundo ele, um sentimento de inferioridade do capixaba e uma narrativa de desculpas da elite dirigente. Terá sucesso em convencer a todos de que se trata de um mito?
Os processos históricos não são de fácil percepção, talvez porque levam tempo para o seu desenvolvimento e, por isso mesmo, quase impossível de serem compreendidos em tempo real. No entanto, é necessário especular como forma de contribuir para o planejamento das ações presentes em favor de um futuro desejável. É este risco da especulação bem intencionada que quero correr aqui.
No último quinto de século a população capixaba vem acompanhando eventos muito significativos para a sua história, isto porque alteram condicionantes que, para o bem ou para o mal, definiram os contornos de sua trajetória econômica e social. Dentre eles destacamos o auge e o declínio da subordinação das políticas do governo local aos interesses do comércio com o exterior. O auge e o declínio das influências de uma rede de negócios do capitalismo de compadrio associado ao crime organizado. O surgimento da oportunidade de ingresso em uma parte da cadeia de negócios com o petróleo que, na fase atual de exploração no pré-sal, requer o desenvolvimento de tecnologias e produtos novos.
No campo da política, acaba de vir a público uma renúncia de candidatura ao Governo estadual, abrindo espaço para novas possibilidades. Isso porque a liderança forte e competente nas articulações partidárias, responsáveis pelo sucesso pessoal nas urnas, desperdiçou a oportunidade que lhe dava o comando absoluto, reafirmando a tese SHAYDER em vez de formar novas lideranças e construir um projeto novo.
Minha hipótese é de que esse acontecimento é o mais importante do cenário político dos últimos anos. Um fato na política que complementa os eventos que já estavam em curso e que, no conjunto, abrem uma janela de oportunidade para o surgimento de novas rotas para o desenvolvimento social, econômico e político. Será que as novas lideranças a caminho serão capazes de perceber essa oportunidade? Será que serão capazes de facilitar a aceleração do processo civilizatório em direção aos níveis desejáveis de bem-estar da população presente e futura?
(1) SHAYDER, José Pontes, Passado a Limpo, o Estado capixaba e o seu mito fundador, Edição do Autor, Cachoeiro de Itapemirim (ES), 2017.
* Economista, Doutor em Ciências Econômicas.
Foto: Bruno Miranda