Por Guilherme Henrique Pereira*
O Programa Roda Viva da TV Cultura paulista e a Globo News fizeram entrevistas ou sabatinas com candidatos para a presidência da República. Há um grande número de candidatos o que torna impossível organizar uma agenda para entrevistar a todos, assim, apenas os mais conhecidos apresentaram-se até agora. Quanto a esse número de candidatos, estamos em situação muito parecida com a de 1989. A diferença é o conteúdo exibido individualmente: em 1989 um grande número de candidatos que eram nomes de expressão nacional, no entanto a população levada por algum tipo de ilusão, acabou elegendo o mais falante, o mais mentiroso, aquele que se intitulava “caçador de marajás” e que na verdade era uma grande farsa. Há possibilidade da história se repetir? Entre as pessoas que acreditam no Brasil este medo é bastante evidente. E o pior é lembrar do dito: a história só se repete como tragédia.
Neste artigo, pretendo estimular o debate oferecendo a minha opinião sobre os candidatos, tomando por base principalmente o comportamento e o conteúdo apresentado nas sabatinas mencionadas.
Marina Silva tem bom posicionamento nas pesquisas, mas não passa firmeza de que pode chegar ao segundo turno. Sobre temas cruciais fica em cima do muro, parece lhe faltar propostas concretas ou medo de se expor, embora demonstre conhecimento do Brasil. Esperava mais de suas falas, afinal já participou outras duas vezes da eleição. Conseguiu um vice do PV que não lhe acrescenta nada além do tempo de televisão.
Guilherme Boulos parte de um percentual baixo nas pesquisas, mas tem ótimo desempenho em suas falas, excelente conhecimento do Brasil e capacidade de apresentar propostas, embora sua falta de experiência nos deixe em dúvidas. Trouxe uma vice que não lhe acrescentará votos, porque é desconhecida e porque estamos em um país com muito preconceito em relação aos negros e aos índios. Mais evidente, bem como influente nessa eleição será o absurdo e inexplicável manequeísmo em torno das expressões “esquerda” e “direita” como se tivessem algum significado real em nosso quadro partidário, fatores que dificultam ampliar as intensões de voto nele. Mas, certamente aumentará com sua participações em debates. Um iniciante e jovem candidato que seguramente voltará em eleições futuras com participações crescentes.
Amoedo que se apresenta como fundador do partido Novo, que de novo nada tem: é muito conservador e muito liberal nas propostas para a economia. A sua visão de Brasil é exatamente aquela que sua experiência como gerente, depois sócio, de banco lhe permite. Faz aquele tipo que joga no time do BV (boa vontade, se muito, e nada mais que isso), sequer é competente para expor suas ideias simplórias sobre a problemática de uma nação. Um liberal para certos temas e conservador em outros, um grande exemplo de inconsistência e despreparo. Terá muita dificuldade porque situa-se em um campo programático que está cheio de candidatos: de Alkimim a Bolsonaro.
Ciro Gomes, mostra-se como alguém que se preparou para ser Presidente; conhece os problemas, tem planos, demonstra determinação, não tem medo de se expor. Trouxe a senadora Kátia Abreu, líder pecuarista, psicóloga, já foi ministra da Agricultura, e uma personagem complexa da política brasileira. Deve exibir com satisfação o ato do MDB que a expulsou de seus quadros, pois foi por não compartilhar com as falcatruas de seus líderes Jucá, Cunha, Temer e Renan, principalmente, que ela foi para o PDT. Ela acrescentará, sem dúvida nenhuma, qualidade e votos à chapa. O maior problema do Ciro é que os coronéis do Brasil não topam apoiar suas propostas; e como não conseguiram um processo para trancafiá-lo em uma cadeia, tratam de lhe fazer um cerco político para que tenha o menor tempo possível de televisão. O posicionamento mais vergonhoso nesse processo é o do PSB que, pela segunda, é manipulado pelo PT e rasga, mais uma vez, sua bandeira histórica. Vai para o embate apenas com o apoio de seu partido (o PDT) e do minúsculo PMN. Mesmo assim, poderá surpreender e ir para o segundo turno em razão de suas propostas, eloquência em apresentá-las e principalmente a fraqueza dos demais candidatos.
Álvaro Dias apesar de sua demonstração de que conhece os problemas brasileiros, tem algumas propostas, mas o grande problema e decepção para mim foi o seu viés autoritário, conservador nos costumes e arraigadamente liberal na economia. Isso ficou ainda mais claro ao trazer Paulo Rabelo de Castro, antes candidato inexpressivo do nanico PSL, para ser o seu vice. Com alto nível de aceitação em seu estado onde já foi governador, terá dificuldades em crescer nas outras regiões. Tinha tudo para atrair o apoio do “centrão”, mas, seu perfil de não fazer concessões à patifaria de grande parte dos políticos desses cinco partidos, acabou ficando também com pouco tempo de televisão. Mas prestará um bom serviço ao Alkimin, na medida que vai tirar votos do Bolsonaro. Exatamente isso: ele é recomendado para pessoas com viés "Bolsonarista", pois ele está no mesmo campo, mas passa um perfil de gente civilizada e educada.
Meireles: se a política não fosse mais bastidores que palco, diria que tenho pena desse candidato, pois acharia que são muito covardes e sacanas as pessoas que o entusiasmaram para ser candidato: ele não tem proposta, ele não conhece o Brasil, ele não sabe falar (uma Dilma de calças e careca), está no MDB, empregado de bancos e JBS, ministro de Temer que ajudou a aprofundar a crise econômica e o déficit público; mas como política tem mistérios, certamente esse homem rico tem algum interesse escondido para ser candidato. Até agora (06/08) ninguém teve a coragem de se juntar a ele oferendo o nome para vice. Nem Marta Suplicy (seria a companheira de chapa de seus sonhos) que parecia senil quando foi para o MDB, deu sinais de recuperação da saúde mental rejeitando o seu convite. Talvez melhor continuar pensando que é uma covardia alguém apoiar sua candidatura, pois ele não tem o menor jeito para a coisa. Pior ainda é o colocarem como candidato do Temer, o brasileiro que nesse momento concentra a maior energia negativa do planeta; e no MDB o partido sócio de todas as falcatruas desde o Sarney e com grande número de indiciados na Lava a Jato. Como este homem, com enorme dificuldade de comunicação, vai defender seu padrinho Temer, o MDB e suas ideias fora de lugar tal como, acabar com a universidade pública e gratuita? Como vai defender sua história de servidor do que há de pior no empresariado?
Manuela D'ávila: Fiquei com saudades de 1989 quando os grandes nomes da política nacional concorreram. Naquelas entrevistas e debates nós víamos candidatos com conteúdo e conhecimento de Brasil. Foi o que Manuela apresentou, apesar da pior bancada de entrevistadores até agora. Falou com segurança e até agora foi, junto com Guilherme Boulos, a que melhor defendeu um projeto de desenvolvimento para o Brasil, mesmo sendo várias vezes interrompida por medíocres entrevistadores que fustigavam picuinhas da política e história mundial; questões definitivamente sem interesse nesse momento. Agora queremos saber de Brasil. Apesar dos méritos, dificilmente crescerá significativamente nas pesquisas, pois é de um partido pequeno e será prejudicada ( o mesmo acontece com Boulos ) pela fraqueza de muitos eleitores que aceitam sem críticas a pobreza intelectual da imprensa brasileira que coloca propostas à esquerda, PT e falcatruas (presentes em várias malas/apartamentos de dinheiro) em um mesmo balaio, como se fossem tudo a mesma coisa.
O Alkimim melhorou suas chances de chegar ao segundo turno com a adesão do centrão (DEM, PRB, PR PP, SD). A pergunta que fica no ar é: vale à pena tornar a candidatura viável por meio da aceitação de tanto lixo junto? O PP, por exemplo, é o campeão de processos abertos na Lava a Jato. Como governar depois com todo esse grupo fisiológico? sem programas, apenas voltado para a defesa dos interesses particulares. O MDB está de fora, mas apenas agora, pois hoje se parece com doença contagiosa, ninguém quer ficar por perto. Caso o Alkimim se eleja, antes de terminar o ano, certamente o MDB se juntará ao blocão; e manterá sua tradição de apoiar quem ganhou para continuar explorando a nação. Esse blocão, terá algo em torno de 30% da Câmara. Em resumo, se Alkimim eleger-se, ficará muito dependente do que há de pior no Congresso. As propostas apresentadas muito superficialmente e sem qualquer eloquência também são conservadoras e liberais. Ao dizer que deve extinguir o Ministério do Trabalho e que o ensino superior federal pode deixar de ser gratuito, deixa claro que a caminhada iniciada por Temer de desmanche de direitos sociais continuará com ele, caso seja eleito. Com a vinda da Ana Amélia (um Bolsonaro de saias, porém civilizado) o Alkimin aproxima-se mais ainda da chamada “direita” selvagem. Com essa adesão tenta tirar votos do Alvaro Dias (no sul) e de Bolsonaro no resto do país. Todos pensam que o campo progressistas não terá candidato viável, porque dois deles, melhores nas pesquisas, um está preso e outro isolado politicamente, mas, podem dar com os burros n’água. Apesar de tudo isso, Alkimin poderá ir para segundo turno em face do grande apoio de coronéis.
Bolsonaro chegou ao segundo lugar com metade das intenções de voto a Lula, mas só fica nas redes sociais e com apoio em palestras e dos institutos patrocinadores da ala radical e autoritária do liberal conservadorismo. Ainda demonstra cautela em aparecer em debates, porque se isso acontecer ele sabe que desabará. Aliás, é o que aconteceu com sua aparição na sabatina da Globo News. Por ela, mais uma vez tive a confirmação de que sua candidatura representa inquestionável indicador de nossa crise social e política, muito profunda e de extrema gravidade. Qualquer cidadão brasileiro tem o direito de candidatar-se e por isso há muitos candidatos; a maioria abaixo de 5% de intenção de votos, apesar de serem pessoas civilizadas e esforçadas para apresentarem propostas para o Brasil, alguns com mais conhecimentos, outros nem tanto. Mas, o Bolsonaro além de não ter propostas, prega a violência, tem uma linguagem de baixo calão, não tem a menor noção do que são as políticas governamentais, inventou um tal de Paulo de Guedes - pouco conhecido até então - que na verdade será o primeiro Ministro, caso venha existir um governo Bolsonaro -, é preconceituoso, desrespeita mulheres, negros, índios, amigo do Cunha, Temer etc. Este indivíduo mesmo se não fosse político, representaria um perigo para a paz social com um microfone ou posição de mando. No entanto, está com uma expressiva intenção de votos. É óbvio que em condições normais o brasileiro, pela sua índole de buscar sempre a linha de menor resistência, não daria espaço para um perfil como esse. Portanto, o espaço hoje conseguido por um representante do baixo clero da Câmara, só pode ser explicado pelo desespero, pela falta de esperança provocados pela profundidade de nossa crise. Situação semelhante vivenciamos em 1989, quando muita gente por desesperança iludiu-se com Collor e em vez de sair da crise mergulhamos nela de forma profunda. Mas o Collor tinha um discurso civilizado, apresentava propostas, logo com mais recursos para enganar as pessoas. Bolsonaro não tem competência para enganar ninguém. Há muita gente de bem achando que a violência, o autoritarismo, o preconceito, a destruição do Estado poderão passar o Brasil a limpo. Essa fuga ingênua só pode ser explicada pelo desespero daqueles que esquecem que a violência é também uma prática de elevada corrupção.
Lula confirmado pela convenção do PT como candidato, mesmo sabendo que é inelegível detém a maior intensão de votos entre todos. Definiu também Hadad como o companheiro de chapa. Não está claro qual é o jogo que está sendo bancado por este partido. O senador Caiado disse várias vezes que não temia um embate com Lula, mas, todos sabem que isso não passa de uma grande bravata, pois todas as pesquisas indicam que ele seria imbatível pelas candidaturas postas. Aliás, esse grande número de candidatos só se explica pela certeza de que ele não será candidato. Daí a possibilidade, que não é pequena, de um representante desse grupo chegar ao segundo turno por conta da grande fragmentação que ocorreu no campo oposto.
A pesquisa mais atual mostra que Marina é a única que vem crescendo e já ocupa o segundo lugar, no cenário sem Lula, com o dobro da intenção de votos do candidato do PSDB. Tem credibilidade, mas parece frágil demais para enfrentar os desafios de ordenar um país dilacerado pelo golpe parlamentar recente; Ciro Gomes, praticamente estabilizado, demonstra que se preparou para enfrentar o caos, porém assusta os eleitores com declarações frequentes fora de tom. Geraldo Alkmin representa o partido avalista do Temer e não é eloquente, condições que dificilmente permitirão uma arrancada. Alvaro Dias, ainda não conquistou os eleitores com os quais sonha, liberais, conservadores, porém reformistas. Manuela D'ávila e Guilherme Boulos se destacam em meio as nulidades, mas não parece que terão sustentação partidária para uma presença ameaçadora de segundo turno. Enfim, acho que isso resume o drama que nós enfrentaremos para decidir o voto.....
De qualquer modo vai tomando contornos bem definidos os polos que estarão presentes nessa eleição. Em um olhar panorâmico, i.e., desprezando diferenças pouco influentes no programa de trabalho: De um lado Ciro, Marina, Boulos e Manuela; de outro lado Alkimin, Alvaro Dias, Bolsonaro, Amoedo e Meireles, para falar apenas dos mais conhecidos. Muito difícil projetar neste momento quem pode ir para o segundo turno. Mas a julgar pelos apoios já anunciados e pelo desempenho nas entrevistas, neste momento, apostaria que podem alcançar o segundo turno o Alkimin (mais pelos apoios contratados) e Ciro Gomes (mais pelo seu desempenho nas entrevistas e redes sociais). Mas, no lugar de Ciro, não está descartada a presença de um representante do grupo do Lula.
Vitória, 06/08/1947
* Economista, Professor.