Por Ricardo Coelho dos Santos*
Caro leitor, permita que fale um pouco da minha personalidade. Eu sou uma daquelas pessoas que adoram filmes de pancadaria. Sou fã de Bruce Lee e de Jason Statham… Gosto dos filmes de Jet Li e… bem, ser fã de Steve Seagal já seria querer demais!
Passei minha infância vibrando com as fitas de Maciste e Rocky Lane e minha adolescência foi no ritmo de Django, Sabata e das Quatorze Vingadoras de Yang!
Assim sendo, declarado que gosto muito de filmes de ação, sendo ainda um “marvelmaníaco”, afirmo, convictamente, sem medo de que alguém venha a torcer o nariz, de que adoro musicais!
E por que não? Há pessoas que não gostam dos preconceituosamente chamados “filmes de mulherzinhas” e não suportam filmes melosos, “água-com-açúcar” e romances sem sal. Bom, eu também não, e afirmo que muitos musicais estão longe disso! Na verdade, temos comédias, dramas e até filmes de ação com temas musicados.
Muitos espectadores também não aceitam a chamada irrealidade de um personagem sair cantando na rua e esbarrar com um desconhecido que canta junto com ele o refrão de uma música tirada de cabeça de última hora. Digo que é mais difícil aceitar isso do que um outro personagem dentro de um edifício desabando se safar pulando para outro prédio no meio da queda…
Os musicais são filhos da ópera, gênero teatral que, segundo a lenda, começou num reino oriental em que o soberano obrigara todos da corte cantar para esconder a gagueira do filho. Como se sabe, gagos cantam bem. Confiram o grande Nelson Gonçalves, que, por causa do seu problema de fala, recebera o apelido de Metralha. Entretanto, ele só perdeu para Roberto Carlos em venda de discos.
Existem vários tipos de musicais. Desde óperas filmadas, como “A Flauta Mágica”, de Wolfgang Amadeus Mozart, que nos foi presenteado pelo genial Ingmar Bergman; as óperas-rock, como o polêmico “Jesus Cristo Superstar”, tirada da peça teatral de Andrew Lloyd Weber e filmada por Norman Jewison; dramáticas como “Sweeney Todd – O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet” de Tim Burton ou de terror, como o cultuadíssimo “The Rocky Horror Picture Show”, também tirado dos palcos, sob a regência de Jim Sharman.
Alguns musicais maravilhosos revelaram o grande potencial artístico dos atores-cantores, e, assim, damos menção honrosa a Julie Andrews. Essa soprano inglesa, descoberta na peça teatral “My Fair Lady” com o veterano Rex Harrison, logo recebeu um contrato da Disney para “Mary Poppins”, filme aliás que deu muito trabalho de ser feito, pois a autora do livro, Pamela Lyndon Travers, era avessa a musicais. Julie Andrews logo receberia um Oscar e, um ano depois, realizaria o musical de maior sucesso de todos os tempos: “A Noviça Rebelde”. Quanto ao “My Fair Lady”, ou “Ninha Querida Dama”, ela fora substituída pela também talentosa Audrey Hepburn, atendendo a solicitação de Rex Harrinson, com medo de ser eclipsado pela antiga parceira no cinema. Hepburn teve, entretanto, de ser dublada, pois não conseguiria cantar “I Could Have Danced All Night”. Quem cantou foi a saudosa Marni Nixon, que trabalhou com Julie Andrews no papel de uma das feiras do trio em “A Noviça Rebelde”. E, por isso, Audrey Hepburn não levou o prêmio da Academia.
Por mais que sejam comédias românticas como o clássico “Cantando na Chuva”, ou de outro tipo, como “Os Aventureiros do Ouro”, em que vemos Lee Marvin e Clint Eastwood sendo dublados, a maioria dos bons musicais pretendem mesmo é mostrar uma boa música e uma coreografia de encher os olhos, onde enfiam um tema para mostrar um espetáculo de som e imagem. Ou seja, a temática do filme é jogada para segundo plano, e isso aborrece os intelectuais de plantão. Entretanto, bons ou maus argumentos, temos peças fabulosas com canções que de vez em quando voltam e fazem sucesso, como nos filmes “Hello Dolly”, “Amor, Sublime Amor”, “Ruas de Fogo”, “Cabaret”, “Chicago”, “All That Jazz – O Show Deve Continuar” e “O Rei do Show”. Também, temos desenhos animados com canções que explodem de sucesso, responsáveis por alguns dos prêmios que seus autores recebem da academia, como os filmes da Disney “Aladim”, “A Bela e a Fera” e “Frozen - Uma Aventura Congelante”.
Porém, o que mais delicia aos cinéfilos e, pelo visto, conta pontos na Academia, é quando os atores não são dublados, dando seu desempenho ao máximo, interpretando e cantando com emoção. Em “Os Miseráveis”, Anne Hathaway canta chorando, mostrando uma emoção convincente a ponto de se ela não tivesse recebido o Oscar, teria sido uma grande injustiça. Mas é sempre bom ver que outros atores queridos como Hugh Jackman, Russell Crowe, Amanda Seyfried, Helena Bonham Carter, Sacha Baron Cohen e Eddie Redmayne cantam tão bem.
E, nessa mesma linha, sem dublagem, podemos conferir “Mamma Mia” e “Mamma Mia: Lá Vamos Nós de Novo”. Dois musicais deliciosos, baseados nas canções do Abba, conjunto que fez sucesso numa geração passada, em que as rádios transbordavam de boas melodias nacionais e estrangeiras. Era um conjunto sueco, mas, espertamente, compuseram letras com um inglês fácil de ser cantado e músicas bem ritmadas, e esse deve ter sido o segredo de até hoje cantarolarmos alguns do seus sem-número de sucessos.
Qualquer explicação a mais do filme estragaria as boas surpresas dos (aqui sim) bons enredos, então, falaremos do elenco dos dois filmes, que é basicamente o mesmo.
A sempre maravilhosa Meryl Streep, que atua como uma cantora decadente em “Ironweed”, solta a voz de forma magnífica, cantando, inclusive, sem dublar a si mesma, contra o vento. Amanda Seyfried, já vista em “Os Miseráveis”, é algo bem além de um rosto bonito: canta com ritmo. Stellan Skarsgård, que interpreta o Dr. Selvig, amigo de Thor, sempre cheio de surpresas, não decepciona. Pierce Brosnan, o Agente 007 antes do atual, não canta bem, mas, além de não desafinar, mostra um desempenho dramático, digno de aplausos, principalmente no segundo filme. Colin Firth, vencedor do Oscar em “O Discurso do Rei”, dá um pouco de comicidade ao enredo, logo ele que faz mais os tipos dramáticos. Julie Walters, a Mamãe Weasley dos filmes de Harry Potter também não é uma boa cantora, mas teve atuação impecável. Christine Baranski, que pode ser vista nos episódios de “The Good Wife”, é uma veterana atriz e cantora da Broadway, e mostrou seu talento com uma voz poderosa e bem ritmada. Ela é figura fácil de ser vista em papéis secundários de vários filmes para o cinema e para a TV. Dominic Cooper, que faz o papel do pai de Tony Stark, Howard, em “Capitão América: O Primeiro Vingador” e na série televisiva “Agente Carter”, está longe de saber cantar bem. Fez um papel de bonitinho e cantarolou algumas melodias capitaneada pela então namorada Amanda Seyfried. E só. Lily James, que aparece só no segundo filme, é bonita, canta bem, tem ritmo e praticamente fez o filme. Ela pode ser vista em “Cinderela” e na maravilhosa série televisiva “Downton Abbey” no papel da encantadora Lady Rose. Andy Garcia, também no segundo filme, quase não canta, mas convence no papel de cavalheiro mexicano. Maravilhoso! E, finalmente, também só no “Lá Vamos Nós de Novo”, a fantástica Cher. Bom, se eu disser que Cher cantou bem ou mal, eu mesmo me colocaria fora dessa coluna. Cher canta… e muito.
Portanto, machões fãs de filmes de pancadaria, levem suas namoradas, esposas, filhas e amigas descompromissadas ao cinema. Assistam a um musical e tanto. Deixem o preconceito de lado e ouçam boas músicas e bons astros se esforçando ao máximo. É mais fácil fazer 007 do que cantar bem!
* Engenheiro e Escritor.