Por Ricardo Coelho dos Santos*
Vivemos numa era de super-heróis. A indústria cinematográfica reserva a maior parte dos seus milionários orçamentos a filmes com personagens a prova de balas, voadores e com vilões à altura. E, para a nossa maravilha, a Marvel consegue juntar a maioria dos personagens do seu universo num filme só, com os atores originais — e não são atores de segunda categoria que conseguiram uma oportunidade de trabalho num filme esquecível. Pelo contrário, além dos filmes possuírem qualidades de texto, visual e de direção, mesmo que não sejam dos gostos de muitos cinéfilos, os atores vieram de filmes cultuados, alguns até premiados.
O universo da DC Comics correu atrás, apesar de não conseguirem a mesma qualidade cinematográfica e do gosto do público não ter o mesmo grau de receptividade da Marvel. Entretanto, estão apresentando séries televisivas também impecáveis, trazendo atores queridos para suas excelentes tramas juvenis… Quero dizer, juvenis para quem já foi jovem um dia! Alguns dos seriados não são recomendados para nenhum menor de dezoito anos assistir!
Esses filmes e séries são o espelho dos quadrinhos, que, mesmo não estando mais na sua fama frenética das décadas de 1980 e 1990, hoje, em forma de grafic novel, ainda têm vendas garantidas, embora a um preço pouco atraente para os pobres compradores.
Há de se pensar que heróis do cinema, da televisão e dos quadrinhos são febres de hoje. Engana-se. A era dos super-heróis do cinema não é novidade e, se hoje se celebra festivamente os heróis dessas mídias, e, a eles, ainda se juntam os de videogames, esses sim, as novidades da moda atual, há anos atrás já eram coqueluches aqueles hoje cultuados como Batman, Capitão América e Fantasma — esse, hoje, um pouco deixado de lado. Seriados de Batman e Superman eram itens de assistência obrigatória da garotada. Havia também o seriado do Capitão América e um surpreendentemente bom seriado do Hulk, na década de 1970, interpretado pelo fisiculturista Lou Ferrigno.
Recentemente, vi à venda, um DVD que me fez voltar à minha infância, de 1961, no Cine Continental, sobre um herói que ninguém mais se recorda, sabe que existiu e, com efeitos visuais toscos nos dias de hoje, mas maravilhosos e fantásticos na época, a garotada nem quer saber dele. Comprei e assisti sozinho. E, juntamente com outros heróis também esquecidos, tratarei a seguir. Vamos ver quem se lembra!
Maciste — se hoje as meninas suspiram ao ver o personagem Thor, representado pelo excelente Chris Hemsworth, sem camisa, fico imaginando o que se passava na cabeça delas ao ver homens que atuavam inteiramente com os peitões à mostra, maiores que qualquer atriz que contracenasse com eles, untados de óleo e com exibições de força absurda, como, por exemplo, arrastar sozinho uma baleia até à praia. Maciste tinha surgido no cinema mudo, criado por Gabriele d’Annunzio, inicialmente como personagem secundário. Porém, o gosto popular o aclamou e eis que, só de filmes mudos sobre ele foram 26! Interpretaram Maciste os atores Bartolomeo Pagano, Mark Forest, Gordon Scott e outros com nomes artísticos hollywoodianos. Eram filmes italianos de baixo custo mas visuais impressionantes para a época. Com a moda recente dos super-heróis, é um bom momento para a Bota relançar o seu, com um visual mais moderno.
Sobrinhos do Capitão — heróis de histórias em quadrinhos politicamente incorretíssimos! Vivendo numa ilha com todos os animais de cangurus a elefantes, governada por um rei tribal, uma família branca, sob a tutela da viúva e matriarca, Dona Chucrute tem como filhos Hans e Fritz, que infernizam a vida do Capitão, hóspede eterno na pensão tocada pela viúva, e seu amigo, o Coronel. Ainda vivem na pensão o casal de meninos Lilico e Beatriz, as crianças mais odiáveis desse mundo, protegidos da professora Dona Josefina. As artes de Hans e Fritz costumavam ser vinganças contra a arrogância do Lilico, colocar cola na cadeira do Capitão ou uma colmeia de abelhas no seu pé já atacado por gota, eletrocutar a tromba de um elefante, fugir na bolsa de um canguru e por aí vai. O Capitão e o Coronel sonham alegremente em ver os dois tomando uma surra ou sendo cozidos vivos num caldeirão. Nos dias de hoje, essa história seria absolutamente proibida. Porém, foram quadrinhos longevos que foram publicados entre 1897 e 1979. Criação do alemão naturalizado norte-americano Rudolph Dirks, foram os estreantes do uso dos balões nos diálogos em histórias em quadrinhos. Viraram filme mudo um ano após sua estreia e ainda desenho animado dirigido por ícones da animação como William Hanna, de Hanna e Barbera, e Friz Freleng, de Pernalonga e A Pantera Cor de Rosa.
Namor, o Príncipe Submarino — um personagem da Marvel que foi deixado de lado, mas que já pensaram em fazer um filme sobre ele. Membro dos Vingadores, descobriu e salvou o Capitão América congelado desde a Segunda Guerra, atrapalhou o romance do casal principal do Quarteto Fantástico e fez parte da cisma dos Vingadores, em que ele e Hulk não se entenderam com Thor, Capitão América e Homem de Ferro e saíram todos numa pancadaria que durou várias edições de revistas. Namor era dotado da super-força necessária para se ser um super-herói de primeira grandeza e conseguia voar graças a dois pares de asas nos calcanhares que desafiam a inteligência de qualquer engenheiro. Por ser filho de um ser submarino com uma humana, ele é anfíbio. Porém, fora da água, sua força desvanece até ao nível de um ser humano normal. Criação de Bill Everett em 1939, foi um dos primeiros personagens da Marvel.
Mortadelo e Salaminho — personagens que ainda fazem fama na Espanha, explodiram de sucesso no Brasil no auge da Guerra Fria. Dois agentes da T.I.A., uma organização de espionagem que parodia a CIA e a U.N.C.L.E. — essa, criada para uma série televisiva —, têm a incrível capacidade de realizar missões complexas sem verem nenhum dos seus planos mirabolantes darem certo. Mortadelo, o rei dos disfarces, consegue se vestir de pelicano para levar seu chefe voando para o local da missão (o bico do pelicano rasga e Salaminho aterrissa o traseiro num cata-vento pontudo) e Salaminho que se transforma em papel para invadir a sede de uma quadrilha (o “capo” o usa como papel higiênico), são vítimas do Professor Bactério, que cria uma pílula que transforma uma pessoa num pedaço de salame disputado ferozmente entre um cão faminto e um cigano cheio de filhos para alimentar. O chefe dos dois é o Superintendente Vicente, que está sempre à procura dos dois, conseguindo atraí-los quando serve a si mesmo de uma dose de uísque confiscado pela agência. Criada em 1958 por Francisco Ibañez, hoje, sem a Guerra Fria não tem a mesma força que teve nos áureos tempos do medo. Porém, pode ser encontrado facilmente desenhos animados e um filme sobre a dupla — o filme foi fraquinho!
O Coyote — enquanto todos os personagens acima são de mídias filmadas e desenhadas, “O Coyote” era uma série de livros escritos desde 1943 por José Mallorqui Figuerola, inspirada no Zorro. Conta a história do desprezado e efeminado Don César de Echagüe, filho de Don César de Echagüe, que se torna no mascarado e violento Coyote, que desenhava a faca, no peito da vítima, um coiote estilizado. Apesar de aparentemente ser uma cópia barata do Zorro, também virando história em quadrinhos, filme e radionovela, a série em livros de bolso teve quase duzentas aventuras! Os diálogos entre pai e filho eram confusos, pois ambos tendo o mesmo nome, Mallorqui preferia não identificar quem era o pai e quem era o filho — e a coisa ficou ainda mais confusa com o passar dos anos, que surgiu um neto que além de ter ainda o mesmo nome, resolve por conta própria ser também um Coyote, sem que os demais saibam. Mallorqui tinha uma imaginação fértil, criando muitos personagens secundários com aventuras próprias que ele mesmo escrevia, além de ter sido um aclamado escritor de ficção científica.
*Engenheiro e Escritor.