Por Guilherme Henrique Pereira*
O casamento da economia brasileira com a recessão já se aproximando de cinco anos sem nenhuma desavença que sugere um divórcio à vista. Os indicadores mais dramáticos são os números de desempregados – 12,8 milhões – e subempregados – cerca de 28 milhões -. A crise econômica se superpôs a crise moral e a decadência da política. O resultado que a última eleição mostrou foi uma população desesperada e perdida em discussões de comportamento, de fundamentalismo religioso e de combate as “ideologias” criadas ou ressuscitadas como bicho papão para gerar polarização e ódio entre os principais lados presentes na disputa. Nada se discutiu sobre os problemas que de fato interessam a um país, ou sobre soluções para o casamento indesejado que nos trouxe para um profundo mergulho na crise.
No campo da economia, pode-se dizer que desde que o Brasil concluiu seu processo de industrialização baseado nas tecnologias eletromecânicas – lá pelos idos dos anos oitenta – tivemos apenas alguns anos de conjunturas favoráveis, isto é, com crescimento e avanço em nosso desenvolvimento. O resto do mundo já colhia – e continua colhendo - os ganhos proporcionados pelos investimentos que permitiram o ingresso na economia do conhecimento – no setor produtivo o que é visível é a mudança para o novo padrão tecnológico baseado nas TIC (tecnologia de informação e comunicação). Mas os avanços não eram somente no sistema produtivo. Em paralelo, também era perceptível como evolução civilizatória a nova cultura para uso dos recursos naturais, para cuidar do problema das desigualdades, do respeito às minorias, questões de gênero, etc. Inclusive aqui no Brasil.
No entanto, no campo econômico as velhas forças que sempre pensaram o Brasil como uma sociedade a reboque do “primeiro mundo” e que pode se manter vendendo produtos primários, jamais aceitaram os investimentos que se tentava fazer em conhecimento. Os desenvolvimentos obtidos nesta linha não consolidaram-se ao ponto de acumular recursos políticos e financeiros para um posicionamento dominante na arena das ideias e da política. É esta disputa de modelos antagônicos que fizeram o Brasil andar de lado durante as últimas três décadas, pelo menos. A confusão mental dos brasileiros nos últimos anos nos trouxeram a vitória da banda velha. E em paralelo a perspectiva de um passo atrás no processo civilizatório. A saída da crise só acontecerá pela mediação da política, que é o único canal possível para a definição de qual modelo desejamos abraçar.
Todavia, na política os partidos não são programáticos e a maioria dos eleitos se preocupam apenas com o próprio mandato. Gastam todo o tempo e energia em pensar apenas como se reelegerão. Ainda não entenderam a crise aguda em que estamos afundados, tampouco perceberam que se não construírem pactos viáveis para uma nação soberana, há o risco de sequer participar da tão sonhada eleição. É desesperador constatar que os políticos pensam o tempo todo e apenas nisso: como garantir o próprio mandato. Mas precisamos que esses profissionais substituam o egoísmo pelo entendimento de que a crise impõe a necessidade de pensar o município, o estado e o país. No limite, se não fizerem isso, chegará o dia em que a eleição não se efetivará como imaginam.
No campo da economia a retórica em evidência vem do ministro Paulo Guedes que pretende arrastar para suas propostas simplistas um Poder Executivo despreparado e sem planejamento, ao lado de um Legislativo tendente ao passo atrás, embora ainda titubeante, posto que nele ainda há grupos preocupados em construir um capitalismo nacional.
Paulo Guedes fala com todo o descuido de quem não tem compromisso com a população e a certeza de que a última eleição revelou uma população desesperada e vulnerável para acreditar em qualquer coisa. E acaba sendo aplaudido, pois ele assume muito bem o discurso de engraçadinho voluntarista e superficial. Daí muito fácil das pessoas pensarem que estão entendendo algo complexo. As comparações que ele faz são simplificadoras da realidade beirando ao ridículo, porém, a retórica das piadinhas acaba estimulando o riso e as palmas.
Vender a ideia de que reduzindo os benefícios previdenciários para os trabalhadores o país estimularia os investimentos e, logo, voltaria a crescer é uma irresponsabilidade. Todo mundo que ainda não entrou em confusão mental, sabe que isso não é verdade. Agora, já fala que a tal reforma era necessária, mas não suficiente e coloca a reforma tributária como o remédio da vez. Esta reforma tem até mais potencial para estimular investimentos, desde que adote uma linha de não ser ainda mais concentradora de renda. Viés pouco provável, dada a linha liberal que a conduz.
Falar que reduzirá a conta de energia para as indústrias e que com essa medida o setor recuperará sua participação no PIB é brincar de fazer política econômica. É óbvio que o valor agregado para um lado será reduzido do outro. A indústria brasileira para sair da crise tem que investir nos chamados elementos da competitividade e, atualmente, o principal de todos é o conhecimento que alavanca a inovação. Fora disso, a chance é zero.
Dizer que agora nós (os liberais) estamos com a bola e vamos jogar do nosso jeito e vocês (os progressistas) quando voltarem a ter a bola que joguem como quiserem - podem distribuir a renda – é fazer troça do processo social e político, além de não ajudar em nada no debate sobre soluções para o país.
O Brasil não sairá dessa crise subordinando-se cada vez mais aos mercados internacionais para vender produto primários com baixo valor agregado, isto é, commodities que empregam pouco e pagam salários baixos. Isto jamais dará conta de incorporar os 210 milhões que somos. Mas, esta meta não tem a menor importância. Vamos criar algumas ilhas de riqueza, possível pela venda de soja, café, minério, carne, o resto pode morrer de fome para não atrapalhar o bom funcionamento das forças de mercado. No futuro, se houver mudança no comando da política quem sabe se faz diferente para distribuir um pouquinho da riqueza e beneficiar alguns sobreviventes. Quando diz isso, ele sinaliza um pé fora da superficialidade, indicando que sabe exatamente o que está propondo: emprego e muita renda para poucos.
Precisamos da política para mediar a saída da crise. Essa é a grande preocupação, pois não percebemos essa postura nos nossos políticos. Cada um está apenas preocupado com a próxima eleição, se vai conseguir reeleição ou alcançar um novo cargo. No Executivo federal hoje também não há planejamento para pensar o futuro, aliás os órgãos pertinentes já foram ou estão sendo destruídos. Enfim, se o assunto for retomada do desenvolvimento, o que vemos são apenas mais trevas ao final do túnel.
*Economista.