Por Erlon José Paschoal *
No Rio de Janeiro costumam dizer que agora basta alguém xingar a Fernanda Montenegro, o Paulo Freire e o Papa, e demonstrar ser um mau-caráter convicto, para ganhar um cargo no governo das milícias bozonazis, referindo-se com isso à nomeação do então presidente da Funarte como Secretário da Cultura do país.
Não é nenhuma novidade dizer que os milicianos que tomaram o poder e seus cúmplices e comparsas odeiam a cultura e - tal como afirmou certa vez Joseph Goebbels, o então ministro da propaganda nazista -, muito provavelmente “colocam a mão no coldre ao ouvir a palavra Cultura”. São, em geral, pessoas despreparadas, incompetentes e orgulhosamente cínicas, movidas pelo ódio e pela ânsia de destruir tudo o que foi construído pelas gerações anteriores. Por isso detestam também a História, a Sociologia e a Filosofia, pois são áreas do saber que pressupõem o amor pelo conhecimento e pela evolução humana. Tanto é verdade que a primeira medida das milícias foi extinguir o Ministério da Cultura, desmontar suas estruturas e capilaridades, e joga-lo por fim no laranjal do Ministério do Turismo. Ou seja, acabar com a representatividade desta área tão importante para o desenvolvimento social, humano e econômico do país.
Parece mentira constatar que em apenas um ano voltamos séculos no tempo, sobretudo no que diz respeito ao processo civilizatório que vinha avançando com muito esforço no Brasil. Ouvir o secretário de cultura afirmar na ONU que "nas últimas duas décadas, a arte e a cultura brasileira foram reduzidas a meros veículos de propaganda ideológica, de palanque político, de propagação de uma agenda progressista avessa às bases de nossa civilização e às aspirações da maioria do nosso povo", é de estarrecer. Assemelha-se a um inquisidor do século XVII vociferando contra a liberdade artística e a riqueza das criações humanas. E a bestialidade não para por aí: "A arte brasileira transformou-se em um meio para escravizar a mentalidade do povo em nome de um violento projeto de poder esquerdista, um projeto mesquinho que perseguiu e marginalizou a autêntica pluralidade artística de nossa nação. (...) Tudo foi meticulosamente pensado, orquestrado e executado por lideranças tirânicas para nossa submissão".
Quem trabalha na área da Cultura fica perplexo ao acompanhar o desmanche cotidiano de todas as políticas culturais democráticas e inclusivas até há pouco em prática no Brasil, para colocar em seu lugar a perseguição ideológica, a censura e a demagogia mais rasteira possível: "Vamos promover uma cultura alinhada às grandes realizações de nossa civilização judaico-cristã", afirmou o dito secretário.
Não se trata aí apenas de opiniões estapafúrdias, canalhas e fascistas, mas da defesa de uma sociedade fundamentalista baseada na disseminação dos preconceitos, do ódio ao diferente e na idolatria de todos os métodos de extermínio e de aniquilação dos supostos inimigos, sem qualquer ética ou valores humanos. E como todo bom fascista sabe, é preciso criar, inventar este inimigo, o vermelho, o petista, o gay, o comunista, já que a rica e diversa arte e cultura brasileira, para o dito secretário, se compõem de “discursos diretos repletos de jargões do marxismo cultural, cujo único objetivo era manipular as pessoas, usando-as como massa de manobra de um projeto absolutista". Como todo fascista convicto, ele expõe estas aberrações com orgulho de quem está efetuando a “limpeza étnica” e a eliminação dos “seres indesejáveis”, como fizeram os nazistas.
O que fazer, como agir neste momento tão difícil da História brasileira, mediante todo este processo de imbecilização sustentado por ameaças e intimidações? Não há fórmula mágica, portanto, é preciso lutar e a luta precisa ser diária: pela redemocratização do Brasil, pela anulação das falsas sentenças contra Lula forjadas pela Farsa a Jato, pelo Estado de Direito e pela soberania nacional. Por um Brasil livre!
* Gestor cultural, Diretor de Teatro, Escritor e Tradutor de alemão.