Por Ricardo Coelho dos Santos
O Espírito Santo está em crise séria. Quiçá, uma das maiores da história, perdendo, por enquanto, da de fevereiro de 1979, quando cidades do norte do estado foram quase varridas do mapa. Na época, o governador cruzou os braços. Um dia, almocei com ele e lhe perguntei por que ficara apático e ele respondeu que tinha atendido a ordens do Governo Federal, que queria dar maior protagonismo ao governador seguinte, que estava para assumir. Era a época dos governadores nomeados, e não eleitos.
Não cabe aqui crítica, apesar da imensa vontade de me aprofundar sobre esse caso. Mas podemos dizer que heróis surgiram na época. Trabalhei na linha de frente desse evento e posso destacar aqui três nomes, entre as centenas de colaboradores voluntários: nosso bispo Dom João Batista da Mota e Albuquerque, o radialista Oswaldo Oleari e o antigo escoteiro Fernando Mainardi. Outros tiveram, mas esses três foram os que mais acompanhei.
Hoje, o protagonismo ficou com o próprio governador Renato Casagrande. Ele atuou imediatamente e até convocou o Exército e todos quanto podiam ajudar no mutirão. Excelente exemplo de liderança.
Entretanto, quero deixar aqui a minha crítica indignada a todas as administrações públicas. Não falo dos governos atuais, mas sim, de todos os governos da História desse nosso país.
A administração pública é dominada por políticos mais sensíveis à aprovação popular pontual do que ao bem-estar do povo propriamente dito. Política virou atendimento aos partidos, unicamente. Gestão pública ficou reduzida à administração de um pessoal que se divide entre esforçados concursados e os muitas vezes acomodados, indicados por quem condiciona seus apoios a favores pessoais e a terceiros que participam da sua camarilha. Não há uma autoridade técnica e estratégica, acima da prática populista, que vislumbre melhorias, proteção, bem-estar e programas de contingência para a população, seja nos níveis municipais, estaduais e federais. Se um técnico opina sobre fatos, experiência e dados incontestáveis de que tal lugar não pode ser ocupado, surge uma autoridade populista que beneficia uma população menos preparada e mais necessitada provocando sua ocupação de maneira totalmente desorganizada. Se ganha votos em colocar uma população em perigo. Isso, por exemplo, ocorreu na Vila Socó, em 1984, quando uma região isolada, com dutos da Petrobras, foi invadida, sob liderança de políticos, e um vazamento de gasolina veio a matar quase uma centena, ou mais, de moradores que não deveriam estar na área de segurança.
A lição pode ter sido aprendida por técnicos que não são escutados. Seus argumentos quase nunca são levados a sério. Eu mesmo já previ um problema e recebi deboche em resposta. O problema ocorreu e fui acusado em não ter sido suficientemente enfático na apresentação da análise. Isso ocorreu comigo e deve ocorrer com centenas de técnicos ambientais, geofísicos, médicos, ambientalistas, sanitaristas, hidrográficos e meteorologistas. O argumento técnico nunca supera o político. Nem interessa, pois é no desastre, muitas vezes atribuído ao pobre São Pedro, que um mau político se faz, mesmo sendo ele o grande culpado por perdas e até mortes. E eis que tal pessoa está tranquila, pois crê que uma fatalidade é algo que ninguém pode prever, embora a ciência prove o contrário.
Entrega-se a estratégia de reação e as ações contingenciais à Defesa Civil. Essa arregimenta tanto a sociedade civil como pode solicitar apoio a militares, sejam policiais, bombeiros ou as Forças Armadas, através do Governador. Isso está certíssimo, mas esquecemos que estamos, até o momento, vendo respostas a uma causa indesejavelmente danosa. Não vemos, aqui, um órgão mais diretivo de proteção preventiva.
Verdade que desabou dos céus do Espírito Santo um volume anormal de chuva. Mas, com prevenção, os riscos seriam muito minimizados. Vejam que não precisamos de um dilúvio para ver as ruas de Vila Velha e Vitória ficarem inundadas. Em Belo Horizonte, qualquer chuva mais forte transborda o Arruda. São Paulo, Rio de Janeiro e Campos dos Goytacazes são também exemplos de cidades que sofrem com a chuva. Por outro lado, qualquer período de escassez provoca crises energéticas e hídricas. Culpa-se o aquecimento global. Sim, concordo que seja o culpado. Mas se o ladrão entra na casa, não reforçamos as portas? Somos incapazes de reagir a isso e até reverter na medida do possível alguns dos quadros de sinistros?
E o que vimos hoje? Casas e edifícios mal construídos à beira de rios, desabando como se não fosse uma tragédia anunciada, ocupações desordenadas em morros e mangues, excesso de edificações prejudicando o trânsito livre e seguro e a distribuição de água e energia, praias ocupadas por altas construções, afetando não só os banhistas como a própria fauna marinha e embarreirando o vento, tornando a cidade tão insuportavelmente quente que obriga-se aos moradores a adquirirem aparelhos de ar condicionado, contribuindo mais ainda com o calor nas ruas e aumentando a demanda energética, obrigando-se a construir mais barragens ou submetendo a população a um apagão energético, donde saem campanhas que, no fundo, dizem que o povo é o culpado, e não a administração pública que não ouve os alertas de técnicos que deveriam estar dedicados a isso trabalhando para o Estado, e não para um governo, com autoridade de a alertar seriamente sobre acidentes e desastres possíveis a curto e a longo prazo.
Culpa-se o povo por não saber votar. Ora, ninguém pode ser culpado por acreditar em outrem. Não estamos mais na época de políticos populistas. Estamos na era em que desastres globais como o superaquecimento e as loucuras climáticas devem ser encarados de frente, sem medo, logicamente, mas com determinações sérias de mudanças. Se um poder local não possui tal alcance, que então trabalhe aonde chega sua vista. Que os habite-se, os alvarás e as licenças sejam emitidas por um órgão centralizado, com menos exigências burocráticas e maiores argumentos técnicos que devam possuir forças de leis. Assim, prédios mal construídos, rios assoreados, impermeabilizações de terrenos, superconcentrações populacionais e construções cujas garantias terminam na entrega da obra não devem mais se transformar em prejuízos materiais ou, pior ainda, em túmulos.