Esperando Godot: Uma Necessária Reflexão Sobre o Resgate da Ética e da Imagem das Entidades Sindicais.
Por Naiara Guimarães Campos Lirio* e Pedro Emanuel Tauceda Branco**
A atual conjuntura de vivência sob o temor da Covid-19 tem se apresentado como um verdadeiro momento de disrupção para os mais distintos atores sociais nas múltiplas esferas de nossa sociedade.
Nesse contexto, as relações de trabalho não passarão ilesas, muito pelo contrário, constituem-se como um dos um dos principais palcos das tragédias e superações das impostas por essa pandemia.
Caso não tenhamos a prudência e cautela necessária para o trato das questões afetas ás relações laborais, podemos passar por este período de crise de modo similar aos protagonistas da peça “Esperando Godot”, os quais permanecem durante toda a encenação à espera do “personagem-título”, que ao fim do espetáculo acaba por nunca aparecer.
A fim de que não vivenciemos o desfecho da dramaturgia do escritor irlandês Samuel Beckett, precisamos urgentemente abdicar da crença que no mundo do trabalho o personagem-título que protagonizará as soluções das crises é o Governo.
Desde a Constituição de 1988, que o legislador consagrou esse papel de protagonismo a outros atores: os Sindicatos. Assim, o Constituinte de forma expressa assegurou autonomia aos entes sindicais para gerirem os conflitos entre capital e trabalho e criarem normas que são verdadeiros contratos coletivos regulamentadores das empresas e dos trabalhadores.
A crise de confiança da sociedade em relação à representação dessas entidades tem contribuído para a emergência do desejo de regulação governamental, relegando a uma perspectiva subsidiária a via da composição coletiva dos conflitos. No entanto, sob a ótica da criticidade, o momento em que vivemos pode servir de “janela de oportunidade” para reinventar e moralizar as relações sindicais.
Nessa perspectiva, a decisão do Ministro Ricardo Lewandoviski, reconhecendo a necessidade de homologação das suspensões dos contratos de trabalho por parte dos Sindicatos, se tratada de maneira ética, pautada pela boa-fé e em consonância com os reais interesses das categorias representadas pode operar como verdadeiro vetoraxiológico para retomada da imagem e do “ethos” de protagonismo que originalmente constitui as figuras sindicais.
De certo, este não é momento de assumir como objetivo primacial a arrecadação de contribuições, haja vista o cenário de sacrifícios financeiros suportados pela classe trabalhadora e econômica. Janela de oportunidade maior e mais cômoda não haverá. É hora dos sindicatos, alicerçados na ética e na transparência, demonstrarem que Godot, sim, irá chegar, e talvez antes do imaginado.
*NAIARA GUIMARÃES CAMPOS LÍRIO,
Advogada, consultora e mediadora de conflitos, com atuação na área de Direito do Trabalho, Compliance e Gestão de crises. Autora e coautora de artigos e livros na área do Direito do Trabalho e Gestão Adequada de Conflitos.
**PEDRO EMANUEL TAUCEDA BRANCO.
Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo; atuação na área de Direito do Trabalho (individual e coletiva) e Direito Público; Autor e coautor de artigos e livros na área do Direito Digital e Direito do Trabalho.
Foto: baixada da internet