Dentre os poderes que podem deter a escalada autoritária no país, apenas o STF tem desempenhado um papel à altura de sua importância, mas por contrariar, em suas decisões, o desejo, a vontade do presidente e de seus seguidores, tornou-se a instituição que mais tem sido ameaçada pelo mesmo, por seu entorno e por seus seguidores. A partir de uma leitura equivocada, feita até mesmo pelos generais que o assessoram, da chamada “independência dos poderes”, que tomam como absoluta, sem limites, sem a necessária “harmonia” entre eles garantida pelo sistema de pesos e contrapesos para evitar que abusos sejam cometidos por cada um destes poderes, tem se desencadeado uma ofensiva contra a instituição, procurando-se desqualificar e desacreditar seus ministros, para justificar o golpe e seu fechamento. Por isso, para o STF têm sido dirigidas as mais ácidas críticas, questionando o alcance de seu poder como expresso nas palavras do presidente ao condenar suas ações em termos ditatoriais do tipo: “acabou”, “não se repetirão [essas decisões]”, “passaram do limite”, “ordens absurdas não se cumprem”, aos olhos concordantes de seus generais-assessores, como se a última palavra numa democracia fosse do Executivo e não do guardião da Constituição, o STF.
Do ministro da Justiça, André Mendonça, pouco também se pode esperar. Elogiado tecnicamente pelos ministros do STF, tratou, logo depois de substituir Sérgio Moro, de perfilar sequioso na defesa das diatribes de Bolsonaro, tornando-se seu principal advogado em substituição à Advocacia Geral da União (AGU). Não somente ocupou o campo de competência dessa instituição, ao apresentar um pedido de habeas corpus para o ministro da Educação no STF como estendeu essa defesa para investigados do campo privado no inquérito das fake news, sob o argumento de que o mesmo fere a “liberdade de expressão”, numa leitura totalmente equivocada do que essa representa, como se a mesma permitisse, em seu nome, o cometimento de crimes de difamação, ódio e calúnia. Ou seja, borrando a letra da lei, queimou sua biografia como grande especialista da justiça.
Neste imbróglio, o papel mais prudente das Forças Armadas é que parece estar impedindo que o golpe avance de acordo com os anseios do presidente e dos grupos em seu entorno. O que é compreensível. As consequências desastrosas do golpe de 1964 ainda permanecem vivas nas mentes dos brasileiros e do mundo civilizado e democrático, assim como o contexto nacional e internacional é muito diferente ao daquela época.
Se o movimento militar de 1964 contava com algum apoio interno da população conservadora e maciço das classes dominantes atemorizadas com o fantasma do comunismo e com a chancela dos Estados Unidos em meio à guerra fria travada com a União Soviética, este apoio hoje praticamente inexiste. Não há nenhuma ameaça do comunismo, especialmente depois da queda do muro de Berlim, a não ser na visão distorcida do bolsonarismo; o capital já não anda muito entusiasmado com a política econômica neoliberal de Paulo Guedes incapaz de retirar o país do fundo do poço; e não se pode contar com o apoio internacional, inclusive dos Estados Unidos, devendo um golpe, pelo contrário, sofrer todo tipo de sanção no plano internacional. Para um país que está afundando econômica e politicamente, uma aventura dessa natureza seria um desastre, inclusive para as Forças Armadas.
O maior problema é que, enquanto continuar, o ensaio desse golpe está minando as poucas forças que restam ao país pelas contínuas turbulências que provoca, agravando suas condições políticas e econômicas e acirrando os conflitos internos, podendo conduzi-lo ao caos social e, consequentemente, justificando algum tipo de intervenção. Por isso, para não se arrependerem no futuro de não terem resistido, no momento oportuno, ao ensaio deste golpe cada vez mais evidente, cabe às demais instituições de defesa da ordem democrática saírem da letargia em que se encontram e darem um basta ao mesmo. Antes que seja tarde. Para o bem da democracia e do país.
* Doutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma Política Social, articulista do Debates em Rede, e autor, entre outros, do livro “Governos Lula, Dilma e Temer: do espetáculo do crescimento ao inferno da recessão e da estagnação (2003-2018)”.
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