Por Ricardo Coelho dos Santos
Em 19 de outubro de 1930, o Capitão João Punaro Bley, nomeado pelo Presidente Getúlio Dornelles Vargas Interventor-Governador do Espírito Santo. Veio a ser o mais longevo chefe do administrativo espírito-santense, substituindo o Presidente de Estado Aristeu Borges de Aguiar. O Governador Bley é bem conhecido nosso, dando nome hoje a uma importante avenida na capital. Quanto a Borges de Aguiar, numa rápida pesquisa, se descobriu uma rua no simpático município de Castelo.
Foi durante a gestão de Borges de Aguiar que a Educação foi levada à seriedade máxima. A Secretaria de Instrução, correspondente hoje à Secretaria de Estado de Educação, era ocupada por Attílio Vivácqua, que trouxe ao Espírito Santo a Escola Ativa, uma ousadamente moderna maneira de se aplicar o ensino baseada não somente na transmissão oral, mas também na experimentação e prática. Citando um exemplo, aulas de História ou Geografia exigiam visitas aos logradouros de interesse. Na Internet, hoje, vemos muitas publicações sobre esse assunto, como “A Escola Ativa Capixaba (1928-1930) entre ‘Escolas Tristonhas’ e ‘Verdadeiras Colmeias de Alegria’” de Rosianny Campos Berto e Regina Helena Silva Simões, que podemos encontrar em http://www.ixcbhe.com/arquivos/anais/eixo4/individual/5081-5100.pdf.
O que o Governador Bley fez, na sua gestão, foi extinguir a Secretaria de Instrução, reduzindo-a a um departamento da Secretaria de Educação e Saúde Pública. O Secretário passou a ser o Dr. Paulino Müller e o Departamento passou a ser dirigido pelo Professor Arnulpho Mattos, que foi bacharel em Direito, Diretor da Escola Normal e compositor. Um homem de igual dignidade do seu antecessor em cargo reduzido!
Mas, o que queremos ressaltar aqui é que foi com Attílio Vivácqua que o Escotismo no Espírito Santo deu o maior passo da sua História. Ele já tinha conhecido o Movimento Escoteiro no Uruguai antes mesmo do Reverendo Loren Marion Reno ter formado a “Associação de Boys Scouts de Vitória” em 1915. Em 1916, Vivácqua escreveu “O Escotismo”, que se tornou um dos livros mais vendidos no ano, tendo sua edição imediatamente esgotada. Depois, como Secretário de Instrução, veio a se preocupar tanto com a Escola Ativa como com os Escoteiros.
Apesar de ser uma organização não governamental, o Escotismo no Brasil não era entendido como tal na época, inclusive por terem-no transformado num alvo de atenção estratégica de estado. Assim, como Attílio Vivácqua tinha trazido ao Espírito Santo, para a Escola Ativa, o Professor Deodato de Moraes, um dos maiores educadores da época, autor de vários livros sobre o assunto, sendo um dos introdutores da Psicanálise na Educação no Brasil, também trouxe, para atender o Escotismo, o Professor Gabriel Skinner, Comissário Nacional de Escoteiros, que veio, mais tarde, ser um dos fundadores do Escotismo do Mar no Brasil. No estado, Skinner ocupou a Diretoria de Educação Física e Escotismo e coordenou e dirigiu a Tropa Padre Anchieta em Vitória. Ele e Attílio Vivácqua fundaram em 27 de abril de 1930 a Federação Espírito-Santense de Escoteiros na Avenida República, em Vitória, ES.
No dia 22 de junho do mesmo ano, na Praia de Piraém, hoje dentro do complexo do Porto de Tubarão, se iniciou o primeiro curso para Chefes Escoteiros do Espírito Santo, dirigido por Gabriel Skinner. Ou seja, nesse dia, há noventa anos atrás, ocorreu o primeiro Curso para Adultos do Movimento Escoteiro Capixaba. No dia 23, foi então inaugurado o Campo-Escola Escoteiro, talvez o primeiro do Brasil, pois ainda não se encontraram registros de algum mais antigo do que esse, com a presença do próprio Presidente de Estado Aristeu Borges de Aguiar, do Bispo Diocesano D. Benedito de Souza e do Professor Deodato de Moraes. Hoje, o Espírito Santo teve, minimamente, até então contabilizado, cerca de 400 Cursos já realizados desde 1971. E a pesquisa há de prosseguir.
Participaram desse curso, entre instrutores e alunos, algumas pessoas notáveis no campo da Educação capixaba. Podemos aqui citar Aphrodísio Pereira de Souza, Diretor do Colégio Maria Ortiz, Eduardo Andrade e Silva, Lente Catedrático da Escola Normal Pedro II, Francisco Jocarly Faria Chagas, professor do Grupo Escolar Bernardino Monteiro em Cachoeiro de Itapemirim, José Monteiro Peixoto, professor em Mimoso do Sul, que veio a ser Deputado Estadual Constituinte, José Xavier do Valle, professor do Liceu e do Colégio Pedro Palácios, também em Cachoeiro de Itapemirim, tendo, como um dos alunos, o imortal Rubem Braga, José Elias de Queiroz, hoje, nome de uma escola em Vila Velha, Luiz Edmundo Malisek, que trabalhou para a formação da primeira Escola Ativa do Estado e fundador do Foto Clube do Espírito Santo, Mário Bodart, hoje nome de uma rua em Vitória, Oswaldo Marchiori, diretor do Grupo Escolar Nestor Gomes em Castelo, Sylvio Rocio e Ulysses Ramalhete, inspetores escolares e Placidino Passos, hoje nome de uma escola em Aracruz, professor e historiador, diretor do Grupo Escolar Gomes Cardim, membro do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo e que também trabalhou na formação da primeira Escola Ativa.
Ainda, se contou com a presença do Professor Bartouvino Costa, um dos pioneiros do Escotismo Capixaba, hoje nome da escola mais antiga de Linhares, Dr. Ernesto Guimarães, juiz, poeta, autor literário e teatral e compositor, Alberto de Almeida, hoje nome de uma escola em Santo Antônio em Vitória, o primeiro escoteiro a alcançar o Pico da Bandeira, Eurico Gomide, Instrutor de Escotismo e substituto de Gabriel Skinner na Diretoria de Educação Física e Escotismo da Secretaria de Instrução, José Carlos Peixoto, da antiga Federação de Escoteiros Católicos do Brasil, uma das organizações que formaram a atual União dos Escoteiros do Brasil, além de Gabriel Skinner. Ainda, se contou com a participação de vários jovens escoteiros que ao mesmo tempo que ajudavam em diversas tarefas de campo, eram treinados por Gomide para um grande encontro nacional de escoteiros que ocorreria naquele mesmo ano no Rio de Janeiro, em que o próprio Presidente da República, Getúlio Vargas, viria a prestigiar pessoalmente. Entre esses jovens, podemos citar José Quintão, o “escoteiro Poty”, que relatara as ocorrências do evento para o jornal “Diário da Manhã”, fundado por José Sette, e do Monitor da Patrulha da Onça, o escoteiro Antônio Gil Velloso, que viera a ser Prefeito e Deputado Federal e tio-avô do também escoteiro Luiz Paulo Velloso Lucas, ex-Prefeito de Vitória.
Muita coisa ocorreu nesse curso para instrutores adultos com a participação dos jovens. Desde a apresentação da tese “A Justiça e o Escotismo”, do Dr. Ernesto Guimarães, ao acidente sofrido pelo Professor Bartouvino Costa, que se queimara gravemente na cozinha, salvando um escoteiro. Ele fora atendido pelo Dr. Américo de Oliveira, Diretor de Higiene do Governo do Espírito Santo.
Uma celebração do passado que os escoteiros só brindaram, nada mais! Não só devido ao distanciamento social que a atual pandemia impõe para a saúde, como também hoje não existir mais um campo-escola para praticar os Cursos, hoje realizados em ambientes escolares, dependendo da disponibilidade de terceiros, que têm até atendido com imensa boa vontade. Não existe mais uma sede própria e poucas autoridades governamentais têm dialogado com a diretoria regional dos Escoteiros do Brasil. Mas o Escotismo continua bastante ativo, se reinventando, permitindo aos jovens exporem suas enormes criatividades, mesmo isolados fisicamente nas suas casas, e ainda sendo nacionalmente uma referência, com Cursos Escoteiros EAD. Um deles, foi piloto no Brasil inteiro. Outro, teve ampla participação nacional.
E, mesmo com os olhos no futuro, o passado não é esquecido com os nomes dos três grandes pioneiros do Escotismo Capixaba: Loren Reno, Attílio Vivácqua e Gabriel Skinner.
Fontes:
História do Escotismo Brasileiro — Almirante Bernard David Blower.
O Jovem Professor — Ricardo Coelho dos Santos (ainda não publicado).