Fabrício Augusto de Oliveira*
Tudo indica que o casamento entre o presidente da República, Jair Bolsonaro, e o ministro da Economia, Paulo Guedes, parece estar caminhando para o fim. Depois de um ano e meio enamorados, mesmo com algumas desavenças e turras comuns em relacionamentos, Bolsonaro resolveu brecar algumas políticas do ministro e este começa a se sentir traído com o seu projeto neoliberal.
Tendo no início de seu mandato ameaçado demitir-se caso seu projeto não fosse à frente e depois se agarrado desesperadamente ao cargo, mesmo durante a pandemia, em que os cofres públicos tiveram de ser abertos contra a sua vontade, Guedes se encontra cada vez mais isolado no governo e abandonado, inclusive, por boa parte da equipe econômica que montou, acreditando, como outros ministros, que disporia de carta branca para implementar suas políticas. Um engano.
O principal motivo deste divórcio cada vez mais próximo está na modelagem do programa Renda Brasil, com o qual Bolsonaro pretende conquistar os eleitores do PT para as eleições de 2020. Sem, até o momento, ter demonstrado qualquer empatia com a população, e menos ainda com os pobres, Bolsonaro parece ter se convencido, com a recuperação de seus índices de popularidade devido à concessão do auxílio emergencial durante a pandemia, de ser este o caminho mais fácil e seguro para vencer as próximas eleições, garantindo o voto das classes sociais menos favorecidas da sociedade. Por isso, encomendou a Guedes um programa de transferência de renda mais amplo que o Bolsa Família, cujo nome deve ser o de Renda Brasil, para apagar o nome do PT deste benefício e nele inscrever o seu.
Guedes, por sua posição ideológica e seu avesso a gastos públicos e mais ainda a políticas sociais, ao ser instado a elaborá-lo, procurou atender o pedido, mas sacrificando outros gastos sociais relevantes para estes segmentos da população para garantir seu financiamento, de forma a pouco alterar os gastos totais do governo. Com isso, para viabilizar o Renda Brasil, propôs cortes em programas como os da farmácia popular, salário-família, abono salarial, seguro-defeso e das deduções dos gastos com educação e saúde para cálculo do imposto de renda. Não é bem o que Bolsonaro queria porque, de olho nas eleições de 2022, sabe que se, de um lado, poderá aumentar seus votos com o Renda Brasil, perderá, de outro, os da população que serão afetados com a proposta de Guedes. E que também não são poucos.
Chega até a ser cômico ler na imprensa a reprimenda de Bolsonaro a Guedes ao reprovar o programa que lhe foi apresentado, insatisfeito com os cortes destes programas sociais como se fosse um grande defensor da população pobre: “Não posso tirar dos pobres e dar para paupérrimos. Não posso tirar o abono salarial de 12 milhões de pessoas para dar para o Bolsa Família ou Renda Brasil ou seja lá o que for”. Guedes não entendeu – ou não quis entender – que Bolsonaro não quer perder, mas somar votos, principalmente os dos pobres para mais do que compensar as perdas que vem sofrendo dos setores que antes o apoiavam, mas se desiludiram com as promessas de sua campanha e com o destempero do presidente como governante.
Pode ser que Guedes encontre uma alternativa para satisfazer Bolsonaro, mas não será uma tarefa fácil. Para isso, terá de sacrificar alguns dos dogmas que integram sua cartilha teórica. Porque, fora o aumento do endividamento, o que ele quer evitar a qualquer custo, a preservação dos atuais programas e a criação do Renda Brasil ampliado em relação ao Bolsa Família, só poderão encontrar financiamento caso se resolva cobrar mais impostos dos mais ricos, mas essa não é uma fórmula defensável e válida para o pensamento neoliberal, apoiado na crença de que haverá migração de capitais para outros países com tratamento tributário mais favorável.
O fato é que ninguém se desfaz de um casamento sem incorrer em perdas. Bolsonaro poderá até resolver o problema do financiamento do Renda Brasil com outro ministro, mas a saída de Guedes que, sem até hoje ter apresentado qualquer projeto econômico consistente para o país, continua com a aprovação do deus-mercado, provocará fortes turbulências na economia, em meio a uma crise sanitária. Guedes, por sua vez, sem ter mostrado a que veio, verá seu sonho de tornar vitorioso um projeto neoliberal e de se tornar um dos líderes dessa escola, esfumaçar ante um projeto político-eleitoral.
* Doutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Social e do Grupo de Conjuntura do Departamento de Economia da UFES, articulista do Debates em Rede, e autor, entre outros, do livro “Governos Lula, Dilma e Temer: do espetáculo do crescimento do inferno da recessão e da estagnação (2003-2018)”.
Não há comentários postados até o momento. Seja o primeiro!