Por Erlon José Paschoal *
Em uma época em que a mídia hegemônica golpista e falaciosa se associa nas redes sociais aos grandes propagadores de fakenews, de kit gays, de fakadas, de farsas a jato, de manifestoches verde-amarelos e de meias verdades, a leitura do livro de Perseu Abramo junto com vários colaboradores “Padrões de Manipulação na Grande Imprensa”, relançado em 2016 – o ano do golpe jurídico-midiático – pela Fundação Perseu Abramo, é cada vez mais necessária e urgente, para se entender como funciona o controle e a produção de narrativas e de versões da realidade. Ou em outras palavras, a mídia nos coloca a seguinte questão: “Decifra-me ou te devoro!”
Hoje todos já sabem que a chamada “grande mídia” produz realidades, distorce fatos, falsifica, mente, mistifica, forja versões, atuando enfim como um partido, um braço do poder que defende e impõe os interesses das classes dominantes e de seus proprietários privados. O livro assume então uma tarefa complexa: a de expor estes padrões de manipulação como uma espécie de guia para que todos aprendam a “ler” a mídia e entendam os critérios e métodos explícitos e subliminares utilizados na composição e na sequência de textos, áudios e imagens.
Importante seria aprender nas escolas como lidar com as imagens que povoam o nosso cotidiano; a assimilar as técnicas de montagem, a sua sintaxe e a sua gramática, sabendo assim como “escrever” com imagens e desenvolver a consciência de que elas podem induzir sentimentos e emoções, tanto positivas, quanto negativas. O que poderia levar os jovens a deixarem de ser “esponjas” e passassem a ser “filtros”, privilegiando a aquisição de conhecimentos e a produção consciente e criativa de novas possibilidades de inserção social.
Ao mesmo tempo em que o jovem se vê deslumbrado com as novas tecnologias e suas aplicações, ele deveria aprender a construir defesas contra as manipulações, seja nos meios tradicionais de comunicação, seja nas redes sociais e em seus derivados. Certa vez, Perseu Abramo a firmou a uma turma de formandos em jornalismo: “Não se deixem deslumbrar pelas técnicas e pelas novas tecnologias. Elas de nada valem se não forem utilizadas com profundo sentido ético e com a visão clara de que a imensa maioria da sociedade ainda luta para libertar-se da exploração, da opressão, da desigualdade e da injustiça.” Basta lembrar do tratamento diferenciado dado pela “grande mídia” aos negros e pobres e aos criminosos da classe média, ou ao chamar roubos e desvios de dinheiro de “rachadinhas” suavizando o crime e sugerindo que se trata apenas de uma “brincadeira” de criança.
A obra aborda muitas das práticas de manipulação adotadas pelos profissionais nestes veículos de comunicação, tais como a ocultação total ou parcial de aspectos relevantes da realidade a ser noticiada; a fragmentação nas edições; a inversão da importância das informações ou a sua total descontextualização, e até mesmo a afirmação mentirosa repetida centenas, milhares de vezes, e depois desmentida com uma nota de rodapé. Vale citar aqui as 10 estratégias de manipulação midiática, elaboradas por Noam Chomsky, muitas delas examinadas nesta obra: 1. A estratégia da distração; 2. Criar problemas e depois oferecer soluções; 3. A estratégia da gradualidade; 4. A estratégia de diferir ou de forçar a aceitação de uma decisão impopular; 5. Dirigir-se ao público como se fossem menores de idade; 6. Utilizar o aspecto emocional mais do que a reflexão; 7. Manter o público na ignorância e na mediocridade; 8. Estimular o público a ser complacente com a mediocridade; 9. Reforçar a autoculpabilidade fazendo pessoas acreditarem que são culpadas por sua própria desgraça e 10. Conhecer os indivíduos melhor do que eles mesmos se conhecem.
O jornalismo televisivo passou a ser concebido comum programa de entretenimento – ou como definem os norte-americanos “infotainment” (mescla de “information” e “entertainment”), através do qual inoculam diariamente uma visão distorcida da realidade, forjada a partir de propósitos escusos. E mais ainda: instauram a amnésia histórica provocada pela velocidade na produção de notícias e de fatos que vão sendo despejados ininterruptamente para confundir a apreensão de suas causas, de seu significado sociopolítico e de seus impactos, algo ainda mais acelerado hoje por meio das tecnologias digitais.
E com quais objetivos? Segundo os autores, a motivação principal destes processos de manipulação está menos nos lucros – que estas grandes empresas e conglomerados podem obter em outras áreas de investimentos – e mais no poder político e no poder de quem financia estas narrativas, a fim de alimentar e conduzir o cérebro da maioria da população.
A única possibilidade de defesa frente a esta avalanche de informações manipuladas e construídas por profissionais experientes é o discernimento e a compreensão de como funciona esta máquina aparentemente enigmática e a quem ela serve.
* Gestor cultural, Diretor de Teatro, Escritor e Tradutor de alemão.