Ester Abreu Vieira de Oliveira*
Quando mencionamos tempo, pensamos no relógio, em ocasiões, em momentos, em épocas.
Se caminharmos para trás no tempo, e chegarmos à Grécia antiga, e folhearmos a sua mitologia, encontraremos dois termos para designar essa palavra: Chronos e Kairós.
Kairós, filho de Chronos, representa o tempo que não pode ser controlado: a eternidade. Significa o momento certo, oportuno. Refere-se a um aspecto qualitativo do tempo.
Na Grécia antiga kairós expressava uma ideia considerada metafórica do tempo, ou seja, uma ideia não-linear, não determinada ou medida, uma ocasião certa para determinada coisa, um período ideal para a realização de uma coisa específica.
No âmbito religioso, a palavra kairós é utilizada no sentido de "tempo espiritual" ou de "tempo de Deus", um tempo sem medida: "(...) um dia para o Senhor é como mil anos, e mil anos como um dia" (Pedro 2, 3:8).
Na poesia o tempo é kairós e Mário Quintana vai expressá-lo:
O tempo é uma invenção da morte:
não o conhece a vida - a verdadeira
- em que basta um momento de poesia
para nos dar a eternidade inteira.
Na filosofia prática da medicina atribuída a Hipócrates, as doenças, durante um certo tempo, evoluem de forma silenciosa até alcançarem o momento crucial, chamado krisis (crise), momento em que a doença se define, rumo à cura ou não. O bom médico deve identificar o kairós (momento oportuno) de agir. Esse tempo (kairós) não dura muito (khronos ) e, portanto, o médico tem que agir rápido.
Por sua vez, Chronos é o senhor. O Deus, do tempo medido por horas, minutos, calendário, dias, semanas, meses, anos, estações e tempo lunar. Sua força é implacável, nunca é detida. Seu tempo é determinado dentro de um limite. Ele tudo conquista num tempo efêmero e findável.
Na mitologia grega, na história de Cronos, há o seu grande medo de perder seu poder e por isso come seus filhos. Chronos, na Grécia, portanto, representava as características destrutivas do tempo, que consumia todas as coisas, inclusive consumiu os deuses do Olimpo, provocando a perda de um passado, consequentemente a falta em um futuro, ou seja, uma geração mais velha tornar-se desconhecida pela geração seguinte.
Quanto a desafio, sua significação é vasta. Pode ser positiva: ser uma instigação, uma competição, disputa, incitação ou um estímulo. Ou uma situação problemática: uma dificuldade, uma adversidade, um obstáculo, um contratempo, um revés, um desacato, atrevimentos, ou uma ofensa.
Como todo tempo é um desafio, fiquemos com o tempo poético que nos oferece a eternidade. O tempo de Kairós, ideal para repensarmos o significado da vida. E nestes meses de 2020 de pandemia, de krisis (crise), período de desafio de novas aprendizagens e de uso mais intenso da tecnologia, em casa, nas repartições públicas e, em diversos setores, época em que se mais pensou no outro e em si mesmo na defesa do vírus, faz-se oportuno refletir sobre a valorização de profissionais como: médicos, enfermeiros professores, cuidadores, cozinheiros, servidores da limpeza urbana e os motoboys que nos permitem a segurança de estarmos em casa, servindo-nos, trazendo-nos remédios, comidas, entre outras coisas e sobre o bem estar de cidadãos e a proteção do meio ambiente para que tudo e todos serem vistos num tempo de kairós, de realizações de boas ações e para que se possa dizer: “Que felicidade a minha de viver nesta época, a pesar dos pesares”.
Terminamos com as palavras que, no dia 23 de set., o Papa Francisco pronunciou:
Para sairmos melhores de uma crise como a atual, que é uma crise de saúde e ao mesmo tempo uma crise social, política e econômica, cada um de nós é chamado a assumir a sua parte de responsabilidade, isto é, partilhar as responsabilidades. Devemos responder não só como indivíduos, mas também a partir do próprio grupo de pertença, do papel que desempenhamos na sociedade, dos nossos princípios e, se formos crentes, da nossa fé em Deus. Contudo, às vezes muitas pessoas não podem participar na reconstrução do bem comum porque são marginalizadas, excluídas ou ignoradas; certos grupos sociais são incapazes de contribuir, porque são econômica ou politicamente asfixiados.
* Professora Emérita da Ufes, Presidente atual da AES, Membro da AFESL, do IHGES e da APEES.