A resposta que vem mais rápida de nossas reflexões anteriores é a de que o Brasil passará por tempos carregados de incertezas e de extrema complexidade. Há muitas pendências a serem resolvidas. Desde os resquícios preconceituosos arraigados entre nós por conta da tardia escravatura, da origem indígena, da violência contra a mulher, das profundas desigualdades na distribuição da renda e, ainda, pelas tomadas mais recentes de consciência em relação aos direitos humanos. E ainda por cima o assustador crescimento da violência, geralmente, interpretada como tendo por base as disputas de espaços no comércio das drogas ou no domínio de negócios em áreas de baixa presença do Estado, como no caso das milícias nos maiores centros urbanos.
Em meio a tantas questões complexas a serem debatidas e solucionadas, a sociedade brasileira ainda enfrenta a perda de rumo de seu sistema econômico que há cerca de 30 anos cresce muito abaixo da média mundial, e na atual conjuntura de crise sanitária esta situação agravou-se ainda mais, com previsão de queda em 2020 de 4% na produção e de aumento do desemprego, algo que pode se estender para 2021, posto que a confusão mental que vive o presidente, empurrou o Brasil para estar entre os últimos na vacinação.
Anteriormente já se observava o surgimento de falsos profetas comandando seguidores que demonstram fanatismo religioso e conflitos incompreensíveis, na medida que confundem bandeiras de comportamento, com teses políticas e econômicas quase sempre contrárias aquelas que deveria ser as deles, ou que os beneficiaria, dada a posição que estão na sociedade e no mercado de trabalho.
Somente a política poderá mediar a construção de soluções para todas estas questões. Mas, como a política se apresenta no Brasil de hoje?
O risco de errar largamente é alto, mas é necessário tentar entender o que aconteceu com a política no Brasil. Os analistas políticos parecem concordar com a observação de que quando a economia vai bem a política acompanha. Em outras palavras, quando o desemprego é baixo, o governo é bem avaliado e quase sempre é reeleito. Bom, isso começou a desmoronar em 2012, mas especificamente nos movimentos que vieram para a rua em junho de 2013. No ano anterior o PIB cresceu 1,9% e a taxa de desemprego fechou naquele ano em 5,5%. Dentro da lógica anteriormente vigente, a política vai bem quando a economia está bem, não havia motivos aparentes para todo o protesto que se viu demandando melhores serviços públicos. Em paralelo cresciam movimentos de desconstrução: na economia, os rentistas – ou, no popular, a turma da Faria Lima – tornavam mais evidentes e fortes seus interesses, o que ficou sinalizado com a subida da taxa de juros Selic da faixa de 7% para 14%, tendo como consequência a fragilização das finanças públicas, levando para cortes de investimentos públicos, redução de serviços essenciais e, como consequência, o agravamento da tendência de baixo crescimento e recessão em alguns anos; na política, a criminalização seletiva dos políticos, condenando alguns justamente, outros sem nenhuma prova contundente, outros apenas levados a execração pública, outros ainda com provas levadas para debaixo do tapete, porém, criando no imaginário popular a imagem de um movimento de eliminação da corrupção que conquistou seguidores – os lavajatos; o terceiro movimento que se tornou representativo veio de um suposto movimento de retomada dos “bons costumes” numa mistura confusa com religiosidade praticada em algumas redes de igrejas.
Foi no meio do caminho de crescimento destes movimentos de cooptação de mentes vulneráveis que o ambiente político continuou deteriorando-se; aprova-se impeachment da Presidente; assume o ex-vice, sem condições morais para liderar um pacto em qualquer direção que fosse afirmativa. Na verdade, consegue pactuar com os grupos que já assaltavam o Governo para dar prosseguimento e, ao mesmo tempo, evitar seu próprio impeachment, no que foi apoiado pelos movimentos da desconstrução em curso. E é neste cenário que o Brasil vai para a eleição de 2018.
Pela primeira vez, deste o estatuto da reeleição, o Presidente em exercício não tem condições de se apresentar como candidato. Também pela lógica velha, não teria viabilidade eleitoral diante do fracasso da economia – queda acumulada de 6,7% em 2015 e 2016; crescimento de 1,3% e 1,8% em 2017 e 2018, respectivamente. Portanto, inexpressivo em recuperação da perda anterior -.
Até hoje ainda não conheço uma explicação convincente dos bons cientistas políticos que se formaram no Brasil sobre os resultados das eleições de 2018. O fato conhecido é que um candidato com um discurso composto com ódio, estupidez e promessas populistas, acaba conquistando os movimentos da desconstrução que a esta altura já eram expressivos pelo Brasil afora. O mais surpreendente, foi o abraço que recebeu da turma do mercado financeiro (Faria Lima), embora condicionado a entregar o Ministério da Economia para um de seus representantes.
Agora no fechamento de 2020, perguntamos o que temos pela frente. Sabemos que precisamos da política para mediar soluções para nossa realidade complexa, plena de questões pendentes e uma economia arrasada. E qual é o ambiente político que iniciaremos 2021?
No Brasil o Poder Executivo sempre foi forte e, em geral, deu o tom para os demais poderes e sociedade. Então comecemos por anotar algumas de suas atuais marcas: absoluta falta de planejamento e uma atuação organizada para desconstruir quase tudo que funcionava, a política social, a política ambiental, a política de desenvolvimento da ciência, da inovação, de política externa e a imagem do Brasil no mundo. Um ministro da economia agarrado aos dogmas do mercado financeiro e incapaz de compreender a moderna macroeconomia, construída a partir da observação no resto do mundo das taxas reais de juros igual a zero (ou negativa) e o reconhecimento de que investimento público (política fiscal) são imprescindíveis. Um presidente que só tem olhar para a defesa das inúmeras acusações envolvendo familiares e, também, para a reeleição em 2022, consequentemente, apenas voltado para reafirmar suas propostas populistas. Neste emaranhado, está cada vez mais evidente o afloramento do conflito que vem do início: a austeridade fiscal pregada pelo maior apoiador do presidente – o mercado financeiro que o Paulo Guedes verbaliza suas propostas – e o populismo que Bolsonaro deseja para viabilizar-se eleitoralmente em 2022.
Um Legislativo e um Judiciário perdidos, ora defendendo seus próprios interesses, ora tentando encontrar conserto para inúmeras mentiras e falas irresponsáveis do Presidente, mas, sobretudo submissos conforme demonstram os engavetamentos de pedidos de impeachment e outros processos que correm no Judiciário.
Enfim, o que vem pela frente? Primeiro lugar, nenhuma possibilidade da política se colocar como mediadora até a próxima eleição. Tudo indica que o jogo do faz e desfaz, da promessa de reforma que não chega ao congresso, da desconstrução das organizações e instituições, ou seja, toda falta de planejamento e de ação deverá continuar até a próxima eleição. O cenário para a economia neste contexto, fica dependendo de algum milagre, um superaquecimento da economia mundial capaz de puxar as nossas exportações ou uma entrada de investimentos externos. Ambos milagres pouco prováveis: a falta de credibilidade do Governo brasileiro no mundo hoje, não recomendará a vinda de investimentos; e a crise por conta da pandemia não aponta para crescimento importante no resto do mundo.
Outra possibilidade, é uma ruptura na base atual de sustentação do Governo. Olhando pelo lado da economia, isto poderá se viabilizar já que não temos nenhuma perspectiva de solução, a curto do prazo, da elevada taxa de desemprego; e o ajuste fiscal pretendido consolidará a situação de baixo crescimento; além de acirrar o conflito com o populismo bolsonarista. Mas pelo lado da política, o que já conhecemos do “centrão”, sugere que aproveitarão ao máximo a fraqueza do Governo para consolidarem benefícios para si e parceiros, portanto, evitando a ruptura; mas certamente não se afogarão levando para o processo de reeleição um Presidente que a economia estará apontando como inviável.
Ainda por ser esclarecido o silencio das lideranças que puxaram os protestos de 2013, quando observamos que de lá para cá tudo se tornou pior, mostrando que os candidatos que eles defenderam nas eleições de 2018, ao contrário de melhoria nos serviços públicos, implantaram o caos generalizado.
Por último, o cenário, infelizmente, mais provável é de sofrimento até a próxima eleição; restando-nos a esperança de que até 2022 os movimentos de desconstrução se desgastem e percam força, permitindo uma eleição normal, isto é, não atípica como a de 2018.
* Doutor em Ciências Econômicas, Professor e autor de “Economia Governos e suas Políticas". Secretário de Estado Ciência e Tecnologia (2005/2007); Secretário (Nacional) Desenvolvimento Tecnológico e Inovação (2007/2009); Secretário de Estado do Planejamento (2011/2012); Presidente do Banco de Desenvolvimento do ES (2012/2014); Editor da revista debatesemrede.com.br;