Aylê-Salassié F. Quintão*
Em total desrespeito às forças que não pode controlar e procurando ganhar tempo contra os fenômenos que não se consegue explicar, os governantes abusam da confiança dos cidadãos, recorrendo ao fetiche do Poder do Estado para levar a população a acreditar nas encenações feitas, por meio de medidas paliativas, cujos gestores, como semi deuses auto proclamados, projetam realidades estáveis, em tomadas de decisão supostamente colegiadas.
A cada iniciativa garante-se que aquela catástrofe “nunca mais vai acontecer”. Dez dias depois estoura uma nova barragem e mata mais 100 pessoas. Sem entrar em detalhes, nem se propor como advenho, observando a História, pode-se constatar que os países transitam neste momento por incertezas, angústias e surpresas. Não é medo apenas de desastres naturais, tipo furação, terremoto, estouro de barragens, a própria pandemia que também provoca reações em cadeia, com dramáticas repercussões na vida cotidiana.
Os sinais veem de uma inflação potencial, cujos efeitos iniciais se ignora e tolera. Só vão percebê-la na frente quando os estragos já estarão concretizados. Uma desaceleração nos processos de produção e prestação de serviços. O aumento das taxas de juros, o endividamento público igual ao PIB ou a incidência de contribuições novas para cobrir algum dano ou ajudar a resolver problemas sociais. Finalmente, um surto de manifestações de cidadãos e consumidores.
Entre esses fenômenos incontroláveis, um dos mais atuais, é a questão da imunidade produzida pelas vacinas contra o coronavírus. Sem fazer referência a uma segunda onda, Mike Lipper, da consultoria internacional CFA, depois de ouvir a opinião de especialistas europeus e norte-americanos na área médica, revelou que a imunidade anunciada pelos fabricantes de vacina e pelos governos se estenderá por cinco a sete meses, e não mais. Não será eterna. Os anticorpos criados pelas vacinas ajudam o vírus a se tornar mais resistentes. Ele se faz de morto, e ressurge vitorioso seis meses depois.
O dilema que aflige a humanidade neste momento situa-se, contudo, para lá da pandemia. O ano de 2021 não oferece nada mais do que incertezas. Entra-se no no novo ano cheio de dúvidas, à semelhança daquelas prognosticadas, no final do século passado, pelo economista John Kenneth Galbraith, ao analisar o avanço da globalização, o aparecimento das mega corporações, a queda dos regimes comunistas e a difusão ampla do uso de novas tecnologias. Chamou de a “Era das incertezas”.
Gailbraith valorizou a globalização e o trabalho coletivo por superar as diferenças e agregar as características culturais de cada povo na construção do bem comum. Arrependeu-se. A aculturação global levou os cidadãos a perder a identidade, e a coexistência harmônica entre diferentes produziu, o que Gilberto Gil e Torquato Neto chamaram de “geleia geral” de ideias, ideologias, religiões, filosofias e até da moda. Um mundo superpovoado, globalizado, aculturado, onde tudo se insurge sobre tudo, sem significado explícito. Um mundo que absorve tudo sem critério, e uma massa crítica pobre, em que os que discordam são taxados de intolerantes e xenofóbicos. Tudo podia ser comprado como um sanduíche do McDonald .
A partir daquelas rupturas anunciadas por Galbraith, o mundo gerou um conjunto de forças cada vez mais virtuais, em que os relacionamentos são conduzidos via redes empresariais e sociais, por meio das quais desagua-se no teletrabalho, na telemedicina na tele-educação, que tiveram suas virtudes e qualificações aceleradas pela pandemia. Mas, os cidadãos, isolados, começam a ficar inquietos, angustia que vai se prolongar ainda, por, pelo menos, o primeiro semestre do novo ano.
O cérebro humano não acompanha tantas mudanças, diz o médico psicanalista Montserrat Martins. O homem não consegue assimilar o fato de que somos uma espécie com milhares de anos de evolução (Noah Harari: Sapiens), com um sistema nervoso programado para reações de “luta e fuga” que lhe assegura a sobrevivência.
As incertezas desnudam no cidadão uma crescente perda de autonomia e confiança. Ele precisa a aprender a conviver com as incertezas, e não esperar angustiado que o Governo, esse ser aparentemente de existência perene, resolva problemas pessoais. É o que se pode esperar para 2021. Nos trópicos, o retorno à Pindorama pode ser uma saída.
*Jornalista e professor (29.12.2020)
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