Por Erlon José Paschoal *
José Ortega y Gasset (1883-1955) foi um filósofo, sociólogo e ensaísta nascido em Madri no final do século XIX, e um dos pensadores espanhóis mais influentes do século XX.
Uma de suas obras de maior repercussão foi “A Rebelião das Massas” lançada em 1930, escrita no calor do período entre guerras e pouco antes da guerra civil espanhola que o obrigou a se exilar em 1936, só retornando em 1945, sendo vigiado pela ditadura franquista, mas sem ser impedido de exercer seu trabalho de professor, escritor e conferencista. Oscilando entre a conservação das tradições europeias e a busca de novas alternativas sociais, em um continente prestes a implodir novamente, o autor analisa na referida obra a polarização extremada entre civilização e barbárie, tão evidente na época.
Mas em 1925, Ortega y Gasset publicou um pequeno livro que até hoje soa provocativo e leva a reflexões diversas acerca das relações entre a obra de arte e o público, com o título algo controverso de “A Desumanização da Arte” (La Deshumanización del Arte). Trata-se de uma análise comparativa entre a estética romântica tão popular no século anterior e as inúmeras vanguardas artísticas do início do século XX.
Para Vicente Cechelero, o revisor da tradução lançada no Brasil pela Editora Cortez, o livro bem poderia se chamar “A Desantropomorfização da Arte”, uma vez que para o autor a arte nova surgida naquele período se ressentia de um núcleo de “realidade vivida” - algo intrinsecamente humano -, pois para ele a arte seria reflexo da vida, a representação do humano, de “figuras e paixões humanas”, mesmo sabendo que a tarefa do artista é “acrescentar mundos novos”. Neste sentido, afirma o autor, a arte nova não mais representa as vivências humanas, mas reconstrói e cria novas formas de abordar a realidade, afastando-se do homem comum. Embora hoje sabemos também que em seu início as artes de vanguardas são em geral impopulares, mas que ao longo do tempo se integram às referências de grande parte da população, como foi o caso do Surrealismo e do Cubismo, por exemplo.
Desse modo, estas artes de vanguarda, ao romperem com os padrões estéticos estabelecidos, se distanciam do público, tornando-se quase incompreensível, de difícil acesso, exigindo do observador um preparo específico e um esforço adicional para compreender e desfrutar esteticamente a obra. É, em suma, uma arte feita para artistas e iniciados, e não para o público em geral, frisa Ortega y Gasset. Ele se refere, sobretudo, às artes plásticas mencionando as diversas correntes da época, como o Expressionismo, o Dadaísmo, o Futurismo, o Fauvismo, o Abstracionismo e o Cubismo, por exemplo, em um período de intensa quebra de paradigmas a respeito “do que é arte”. Haveria aí uma extravagância, uma saturação, uma vontade excessiva de estilo, afinal, “estilizar é deformar o real, desrealizar. Estilização implica desumanização. E, vice-versa, não há outra maneira desumanizar além de estilizar (…) Em vez de pintar coisas, os jovens puseram-se a pintar ideias”. Contudo, o autor faz questão de destacar que emprega o conceito de “desumanização” não para condenar, mas para descrever e tentar entender estes novos impulsos da criação artística. Esta obra pretende, em suma, fundamentar novos conceitos para a reflexão teórica das obras artísticas e para a sua fruição estética, por conta das novas motivações e forças contestatórias criadas pelas vanguardas da época.
Até hoje este livro mantêm o tom provocativo que estimula o leitor a refletir sobre as relações possíveis entre o observador e a obra, e sobre a experiência estética motivada por uma obra de arte. Quase 100 anos depois, em nossa época de convergência digital, de consumo desenfreado e de surgimento constante de novas linguagens e novas tecnologias, o desafio presente neste ensaio sucinto de Ortega y Gasset permanece vivo.
* Gestor cultural, Diretor de Teatro, Escritor e Tradutor de alemão.
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