Por Ailse Therezinha Cypreste Romanelli*
As vezes escritoras, políticas ou educadoras
Transgressoras.....sempre
Você mulher, já nasceu despersonalizada porque não teve molde original, você foi feita de um osso emprestado. O texto fala de alguém criado para a submissão, pois saindo de debaixo do braço do homem e, ao seu alcance, estava abaixo e não ao lado dele; não viria para ser companheira, mas serva.
Condenada à ignorância por uma suposta incapacidade intelectual, você precisa se fazer de tonta para não ofender, disfarçar a inteligência, a perspicácia, a lucidez, a independência interior, em defesa de uma identidade mal definida. Já foi considerada o símbolo do mal; durante séculos permaneceu subjugada, obrigada a esconder a feminilidade, recolhendo-se à insignificância de animal doméstico.
Ao longo dos séculos você viveu à sombra, refém das convenções, um ser humano de segunda categoria : “não pode soltar os cabelos, nem andar com a cabeça descoberta; é proibido ajudar nos serviços do templo; mantenha distância e não se aproxime do altar; não é permitido cantar nos ofícios religiosos”. Além do mais, quando menstruava era considerada impura. Mas nem por isso você deixou de transgredir. Não foi à toa que Eva comeu da árvore do conhecimento. Logo, logo os resultados apareceram.
Então veio Jesus, o primeiro a conferir dignidade humana à mulher. Quando seria ultrajante para um homem falar com uma mulher na rua, e vedado à mulher, fora de casa, dirigir-se a um homem, Jesus, não só pediu água à samaritana, como conversou com ela, para escândalo de todos. Em casa de Simão foi uma mulher quem se encarregou do ritual de lavar os pés do Mestre com suas lágrimas e enxugá-los com seus cabelos soltos. Um choque! Principalmente pelos cabelos soltos. Com esta atitude, igualou-se às prostitutas e assim considerada.
Era inaceitável, e sem precedentes, que mulheres fizessem parte de grupos de estudos, conduzidos por rabinos ou professores, mas pelo menos cinco mulheres acompanhavam Jesus, em suas pregações, desafiando as leis do templo. Dentre elas Madalena, talvez a mais ativa a participar dos debates, muitas vezes teve seus argumentos rejeitados, pelo simples fato de que eram ditos por uma mulher. A veracidade de suas palavras era negada porque não era reconhecida como autoridade para transmitir conhecimento. Entretanto, Madalena foi presença na vida de Jesus. Na pregação e na doutrina, na crucificação e na morte, na sepultura e na ressurreição. Teria ela amado Jesus, como esposa e mãe de seus filhos? E se foi?
Depois da morte de Jesus, a noção de dignidade e respeito à mulher foi prontamente esquecida e, por fim, definitivamente banida. O olhar feminino era temido porque ele toca e perturba a alma, “não só o olhar da mulher desenfreada mas também o da mulher decente”, e também porque “obviamente o celibato não consegue mudar o homem em seres assexuados, e por isso o ‘olhar da mulher’ é um perigo constante”.
Em tempos medievos, a teoria do ódio ao prazer foi apenas uma das faces da medalha. Na outra face estava o amor satânico que, supostamente, conferia poderes às feiticeiras ou bruxas, entre elas as parteiras e as benzedeiras. Pobres mulheres sem nome. Acusadas de bruxarias e apanhadas aos milhares nas redes da intriga, caçadas como animais, tiveram seus genitais vasculhados, seu ventre aberto, ao vivo, para que os inquisidores procurassem em seu útero ou em suas entranhas o demônio ali escondido.
Na condição de simples complemento, você mulher, permaneceu oprimida; devia dormir vestida, fazer sexo coberta com um lençol furado, no escuro e aparentando ar de enfado. Educada como um ser assexuado, não podia externar qualquer manifestação de prazer. Orgasmo? Nunca! Se por um feliz acaso, viesse a ter um, era preciso fingir indiferença, como se nada tivesse acontecido, para não parecer indecorosa e devassa. E tome sentimentos de culpa!
Entretanto, a dominação persiste. Se o homem é traído os traidores merecem a morte. A honra masculina só pode ser restaurada com sangue. Mas e quando o homem trai? Não. Aí é diferente. Já dizia minha avó: “Você, mulher, deve manter a cabeça fria mesmo que a alma esteja sangrando. Seu dever impõe respirar fundo, engolir o sapo e agüentar firme“.
Será que mulher não tem honra, nem amor próprio, nem sentimentos?
Alguém pregou em você, mulher, o rótulo de sexo frágil, o que não incomodou nem um pouco porque, na primeira fresta que se abriu, você escapou. Lenta e silenciosamente, deixou de ser a dona de casa, a parteira, a benzedeira, a professora, a tentadora. O caminho foi se abrindo, você escapou e nunca mais se deixará apanhar.
Mas as barreiras ainda existem, embora nem sempre visíveis, mas não mais assim tão intransponíveis. O mundo ainda é masculino e a mulher independente e atuante que conhecemos hoje, evolui lentamente, sub-repticiamente vai abrindo seu caminho, embora de maneira penosa. A sopapos e pontapés, diria Dercy Gonçalves, nossa transgressora mor.
Hoje, a figura feminina está presente, competente e segura, na Ciência ou na Arte. Veio para ficar. Cientista, escritora, poeta, estadista, médica, enfermeira, soldado, prêmio Nobel, dirige seu próprio carro, pilota o fogão ou aviões, sem esquecer de levar na bolsa, junto com o batom bem vermelho, o anticoncepcional e o preservativo. Seguem adiante, cada vez mais livres, cada vez mais senhoras de si. E que se cuidem os Querubins de Deus porque a árvore da vida ainda está lá, em um dos muitos caminhos dos jardins do Éden.
A batalha é longa e você, mulher, vai resistindo bravamente à opressão, ao preconceito, à hipocrisia, às decepções, às traições, às perdas. Escolheu ser livre e ser feliz, dando a volta por cima para sorrir de novo, depois que a dor se vai; o nariz empinado, segue seu caminho gerenciando, com segurança, a própria vida.
Quem é você mulher?
É você... Sou eu.... Somos todas nós...Mulheres apenas.
*Academia Feminina Espírito-santense de Letras
Cadeira nº 25
Não há comentários postados até o momento. Seja o primeiro!