Por Isabela Castello
“O mundo não será destruído por aqueles que fazem o mal, mas por aqueles que os olham e não fazem nada.” Albert Einstein.
Inicialmente, é importante deixar claro que, de forma nenhuma, escreveria um artigo para defender, apoiar ou justificar qualquer ação, fala, atitude ou omissão do presidente Bolsonaro. Considerado por mim e por muitos o pior presidente da história do Brasil, se levarmos em consideração o período democrático. E, um dos piores do mundo, fazendo a mesma ressalva.
Na verdade, o artigo poderia ser denominado “A culpa não é só do Bolsonaro”. Afirmo isso porque, a minha percepção, sobre essa terrível realidade que estamos vivendo no país, é de que Bolsonaro não é a causa do problema. Ele é apenas o sintoma, a evidência de algo muito pior e maior presente na nossa sociedade. Ele é a parte visível, a ponta do iceberg.
E se continuarmos olhando e acusando-o apenas – reitero que concordo com todas as críticas feitas por suas falhas éticas, políticas, econômicas, sanitárias e sociais – não enxergaremos a verdadeira, ampla e completa realidade dos fatos.
De quem mais é a culpa?
A culpa é de vocês, Ministros e demais membros da equipe de governo, que aceitaram fazer parte desse governo corrupto e incompetente. A culpa é sua, militar e civil, que resolveu apoiar esse governo e fazer parte dessa gestão.
A culpa é sua, presidente da Câmara dos Deputados – atual, Arthur Lira e, anteriormente, Rodrigo Maia - que engavetou dezenas de pedidos de impeachment que poderiam levar a um processo para retirá-lo do poder.
A culpa é sua, deputado e senador, que continua apoiando esse governo, que aprova suas medidas, aceita acordos e conchavos com esse governo e que não se posiciona de forma crítica, fazendo a oposição que ele merece.
A culpa é sua, Lula e apoiadores do PT, que não percebem que essa polarização entre o seu partido e o Bolsonaro só aumenta as chances de ele ser reeleito, porque grande parte da sociedade não quer vê-lo reeleito, mas também não quer o PT no poder. E pode acabar votando nele novamente, para evitar mais quatro anos do seu partido no poder.
A culpa é sua, deputado, senador, político que se diz de esquerda ou progressista, que critica o governo, que apoia o impeachment, defende a democracia, que fala em ampla coalisão, em terceira via, para vencer a polaridade do Bolsonaro x Lula/PT, mas que não renuncia aos seus pontos de vista e aos seus interesses pessoais ou do seu partido, em busca dessa união de forças políticas, tão necessária nesse momento.
A culpa é sua, Ministro do TSE, que até hoje não votou as ações de corrupção e fraude eleitoral, ao qual a chapa do presidente foi acusada, processo este que está parado há mais de dois anos e que, após o devido processo e julgamento, poderia cassar a chapa eleita em 2018.
A culpa é sua, Procurador Geral da República, que não está agindo dentro das suas atribuições, protegendo nossa sociedade das ações ilegais desse governo.
A culpa é sua, empresário, que apoiou e investiu nessa candidatura, pensando nos benefícios que teria com um ministro da Economia adepto de uma visão neoliberal equivocada e atrasada.
A culpa é sua, eleitor que votou nele e que colocou esse homem no poder, mesmo com todas as evidências de que ele não tinha, em sua história, nenhuma capacidade técnica, política, ética e humana para conduzir uma nação. E sua, eleitor que usou, como desculpa e justificativa, a ideia de que só estava votando nele porque não queria que o PT continuasse no poder, como se não houvesse mais 12 candidaturas além dessas duas.
A culpa é sua, seguidor, que cria fake News, investe nesse exército de fake News e que ajuda a manter esse rebanho de seguidores que não raciocina e que não quer enxergar o desastre que esse presidente está fazendo em nosso país.
A culpa é sua, cidadão, que não lê, não se informa, faz parte de uma bolha, em seus grupos de whatsApp, e que fica recebendo e espalhando fake News, sem qualquer visão crítica, com conteúdo sem qualquer conexão com a realidade. Que sempre que chega até você uma crítica ao governo dele, você opta por criticar a pessoa, o jornalista ou a imprensa, para não se dar ao trabalho de ler e compreender os fatos como eles são. E, ao não compreender que você virou uma mente cativa dessa indústria de fake News, continua apoiando esse péssimo governo.
A culpa é sua, líder religioso, que apoia esse governo e que influencia sua legião de fiéis a continuar apoiando o presidente, que se diz protetor da família e dos cristãos, mas que fala e pratica as piores atrocidades que ferem qualquer fé e qualquer princípio religioso.
A culpa é sua, médico ou profissional da área de saúde, que apoiou, validou e prescreveu remédios sem comprovação científica, apoiando esse discurso descabido e ante ciência que esse governo defende.
A culpa é sua, cidadão, que ignorou os riscos e todos os avisos. Que não seguiu as orientações de isolamento social. Que, de forma irresponsável, resolveu sair, ir para festas, reuniões e encontros sociais, viajar, passear, e ajudou a espalhar o vírus e deixar a situação da doença chegar nesse caos que vivemos atualmente.
A culpa é sua, cidadão, que, mesmo não apoiando esse governo, se omite, se cala e prefere não se envolver com política, não opinar, viver sua vida, como se nosso país não estivesse sendo destruído diariamente por esse governo genocida, desumano, incompetente, corrupto. A culpa é sua que diz não gostar de política, que não quer entender de política e que acha que tudo se resolve com um voto a cada dois anos.
Bolsonaro chegou ao poder, e lá continua cometendo essas atrocidades e destruindo o país. A pandemia chegou à situação caótica que vivemos hoje porque cada uma dessas pessoas está de alguma forma apoiando, validando, permitindo e contribuindo para isso.
Agimos como um doente, que tem febre e tenta combatê-la com um antitérmico, em vez de buscar a causa da infecção ou da doença e tratá-la. Ao somente atacar Bolsonaro – não estou propondo parar com as críticas a ele, de forma alguma - sem olhar para a sociedade como um todo e para como cada um desses atores sociais vem contribuindo para essa crise sem precedentes que estamos vivendo, não vamos sair dessa situação e curar nossa sociedade.
Da mesma forma que os organismos menos saudáveis ficaram mais suscetíveis à covid-19, acredito que as sociedades mais doentes, com problemas e “comorbidades” também estão sofrendo mais com a pandemia. Acho que é o caso do Brasil. A gravidade da nossa crise apenas reflete a gravidade da nossa desigualdade, despreparo e incapacidade da sociedade e das instituições.
Estamos pagando um preço caro por esses inúmeros erros coletivos. E infelizmente, quem paga mais caro é a parte mais vulnerável da sociedade, que não tem acesso à saúde de qualidade, a planos de saúde, que perdem seus empregos, que estão sem renda, que estão adoecendo mais, morrendo mais e passando fome.
Perdemos todos, ao ver nosso país, sendo degradado, depredado, esfacelado a cada dia, com perdas, prejuízos e retrocessos gigantescos. Perde a democracia, conquistada a duras penas, há poucas décadas. Perdemos todos, ao ver nossos familiares e amigos morrendo porque esse governo não soube – ou não quis – adotar as medidas corretas e recomendadas para combater a maior crise de saúde e sanitária de todos os tempos.
“Uma andorinha só não faz verão” diz o ditado. E uma pessoa sozinha não cria uma catástrofe como essa que estamos vivendo, que afeta a saúde, a economia, a política, as instituições democráticas, a cultura, a sociedade como um todo. Se estamos vivendo essa crise sem precedentes é porque parte da sociedade está apoiando e colaborando para que isso aconteça. Precisamos ver a floresta inteira e não só a árvore.
Não há o que se fazer com os erros do passado. Mas precisamos fazer algo no presente que possa mudar essa realidade tão desoladora. Que venha algum aprendizado dessa tragédia, para que ela não seja em vão.
A culpa não é só de Bolsonaro, a culpa é de todos que, por ato ou omissão, apoiam ou se calam diante de uma gestão genocida. A culpa é de muitos. E o prejuízo é de todos nós.
Nota: publicado também em: https://www.cognorama.org.br/post/a-culpa-não-é-de-bolsonaro
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