Por Aylê-Salassié F. Quintão* 27.04.2021
O candidato levantou-se repentinamente do lugar, pegou o microfone e gritou:
- Ele mente! Ele mente! Ele mente!...
Cínicos, confortavelmente coniventes com a deturpação da verdade, um ou dois dos concorrentes, sem a mesma coragem, assistiam no fundo aquela cena escatológica de indignação.
Era o debate entre os candidatos à Presidência da República do Brasil na eleição de 2006. Um deles fazia a análise da realidade brasileira para os 80 milhões de telespectadores que assistiam ávidos aqueles que, como pretensos futuros chefe do Estado Brasileiro, dissertavam sobre soluções para as angústias da população , apresentando retóricas plataformas de Governo.
Mesmo o Brasil sendo tratado como país emergente, a brasilidade parece alinhar-se ainda hoje mais com a enxurrada de mentiras que candidatos a cargos políticos apresentam, como verdades absolutas. São versões fantasiosas, parcializadas, distorções estatísticas e jeitinhos criativos, inclusive para as contas públicas. Desfigurar a verdade tornou-se tão comum, que tende a se transformar em uma teoria de desenvolvimento – uma ciência do engano - embora já sejam marcas do perfil irresponsável dos brasileiros: o uso pleno do direito de mentir, como previu Benjamin Constant.
Há lá fora uma descrença generalizada nos governos do Brasil e, internamente, e ainda maior com relação aos pretensos governantes. Todos mentiam e continuam mentindo cada vez mais. De tanto mentir, convencem a si mesmo de que a comunidade internacional acredita na lisura e honorabilidade que pregam. A evasão fiscal e a fuga dos investimentos estrangeiros no País (27% do total arrecadado), demonstram o contrário.
O País perdeu a direção desde que abandonou a expressão unificadora do civismo – estigmatizada de fascista - que mantinha os brasileiros interconectados por uma identidade comum. Mergulhou-se em um caldeirão de direitos difusos e ambiguidades trazidas pela modernidade tardia pelas minorias e pelas ideologias conspiratórias, gerando uma insegurança geral.
A cidadania passou a flutuar sobre ondas sucessivas de temas como questões de gênero, liberdade para o consumo de drogas, combate ao racismo (?) e ao trabalho infantil, etc. . Com verdades parciais, o brasileiro ingressou num mundo de mentiras e de ódio, importando modelos doentios . Nesse caldeirão, a redução da pobreza tornou-se um problema menor. O número de pobres aumenta e o de mortos também, e não é só por força do Covid. Stálin ensinou aos pretensos governantes que a morte de uma pessoa é, de fato, uma tragédia, mas a de milhares apenas uma estatística.
A verdade vos libertará. Não caia nessa. Pois o que se entende por verdade está vagarosamente desaparecendo, dando lugar ao direito de mentir. Verdade vem se tornando coisa para místicos, mergulhados em ilusões, que esforçam-se em dar aparência real ao que é apenas um estado metafísico, configurado na linguagem que adota.
Enquanto Kant descreveu a verdade como subjetiva, Nietzsche a descreveu como uma ilusão. ... uma imposição daqueles que exercem o poder e que chegam a justificar a mentira como oportunas. Há quem acredite, sobretudo as vítimas, que a verdade um dia aflorará. A história a libertará. Ora, que papo! Qual história vai fazer isso? Não a contada por Stálin, por Hitler, por Enver Hoxha e por alguns governantes da América Latina. Mente-se, mente-se e mente-se, com tanta convicção que fazem escola. Assim vai sendo construída a historia da brasilidade.
Lembro-me do nosso mago, fazedor de milagres, Delfim Neto, ex-ministro da Fazenda que, deixou o governo Médici, anunciando uma inflação de 11%. O sucessor, o também economista Mário Simonsen, professor da Fundação Getúlio Vargas, ao substituí-lo, mostrou que ela estava em 25%, e que logo, logo chegaria a 40% . Na Nova República chegou a 2.000% no ano. Embora mentira tenha consequências, todo pretendente à governante quer contar a própria história: é a influência de narciso.
No Brasil agora , caminha-se para o reconhecimento legal do “hackerismo”, essa atividade ilegal e corruptora dos sistemas e da vida social, fazendo uso do direito benjaminiano de mentir.
Dadas as mesmas condições, ele vai se legitimar em jurisprudências, e ganhar um lugar institucional no mundo do trabalho, e até cursos em universidades. É a privacidade que vai, oficialmente, “pras cucuias” com a ajuda do nosso Judiciário. A prática da mentira já está instalada no cotidiano do brasileiro, pelo admitido como a “ciência do engano”.
Imaginar que o STF é o guardião da verdade constitucional e que presidentes ou candidatos políticos trazem ilibadas verdades é para lá de ingênuo...e de abuso contra o cidadão. Uma CPI da Lava Toga seria oportuna para interromper o fluxo de mentiras, se não servir para legitimar como verdade falsas versões correntes.
Vão-se quase dois anos que 27 senadores assinaram o requerimento para a abertura da CPI da Lava Toga. Com medo da verdade, os próprios autores a mantém arquivada. Para enterrá-la, inventaram a CPI do Covid. O País está mergulhado em verdadeiras oficinas do Diabo, que levam os brasileiros a enxergar virtudes e heróis, em cima de plataformas de mentiras.
*Jornalista e professor
Não há comentários postados até o momento. Seja o primeiro!