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Crônicas & Contos

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01 NOV. 2021

Do Outro Lado do Rio


Por Erlon José Paschoal *

Mia Couto nasceu em 1955 em Moçambique, filho de imigrantes portugueses, e se tornou um dos escritores mais expressivos do continente africano. Trabalhou como jornalista, formou-se em biologia, especializou-se em ecologia e atualmente é professor universitário e diretor da empresa Impacto – Avaliações de Impacto Ambiental. Tem mais de 30 livros publicados, muitos traduzidos para inúmeros idiomas. Entre as premiações mais importantes que recebeu estão o Prêmio Camões, o Prêmio Vergílio Ferreira pelo conjunto de sua obra e o Prêmio União Latina de Literaturas Românicas.


Exímio contador de histórias tendo como referências a natureza, as tradições regionais, os mistérios, as crenças e a criatividade, marcantes em seu país de origem, Mia Couto publicou também várias obras de uma poesia vigorosa e envolvente como, por exemplo, os livros “Tradutor de Chuvas” e “Raiz de Orvalho e Outros Poemas”.


Mas dizem que para se acercar melhor de sua obra e de sua poética, um bom caminho seria ler o romance “Um Rio Chamado Tempo, Uma Casa Chamada Terra”, publicado no Brasil pela Editora Companhia das Letras. O enredo é simples: trata-se do retorno do jovem Mariano à sua terra natal – a ilha Luar-do-Chão, origem da família Malilane, ou no aportuguesamento, os Marianos -  para conduzir a celebração do funeral de seu avô, Dito Mariano, supostamente morto. Ao chegar, Mariano avista o corpo do avô estendido sobre um lençol no chão da sala da casa da família, que teve o seu teto retirado, de acordo com as tradições locais, para que o céu – diz o narrador – “se adentre nos compartimentos para limpeza das sujidades. A casa é um corpo – o tecto é o que separa a cabeça dos altaneiros céus!”


O rio, o tempo, a casa, a terra, os ancestrais, compõem na narrativa um todo único e se configuram mutuamente, apesar da destruição causada por séculos de colonização portuguesa. O universo mágico – como em um romance de Gabriel Garcia Marques – alinhavado por neologismos diversos criados pelo autor, formam uma atmosfera própria, poética e mítica, real e imaginária, tradicional e moderna, tudo embalado pelo ritmo dos meandros do rio Madzimi, que separa a ilha do continente, e pelos elementos da natureza, sempre mantendo vivos o interesse, a curiosidade e a imaginação do leitor.


As contradições e os conflitos sociais de uma Moçambique pós-colonial também estão presentes nas relações entre os personagens e na luta cotidiana de um país em busca de sua identidade após décadas de guerras internas, de tradições milenares destroçadas, e ameaçado agora por um capitalismo avassalador, tão destrutivo, tão cruel e tão egoísta quanto os senhores e proprietários dos tempos coloniais.


A princípio, a terra se nega a receber o cadáver do avô, pelo menos até que fatos importantes da história de vida dos personagens e do lugar fossem devidamente esclarecidos como, por exemplo, o narrador descobrir que na realidade seu avô era seu pai e sua tia a sua verdadeira mãe, e assim saber de fato como o velho Fulano Malta conheceu um dia a Mariavilhosa, que viriam a ser considerados seus pais. Ela chegou à cidade como um Diadorim, disfarçado de marinheiro, por quem Fulano Malta se encantou, olhando-a  “embevecido, nos gestos dolentes e frágeis do marinheiro”, mas, ao mesmo tempo, atormentado por intensos conflitos interiores por não admitir qualquer atração por outro homem, até descobri-la mulher e se casar com ela.


Depois de reveladas as verdades, a terra aceita então acolher o corpo do defunto – agora dado realmente como morto – e a realidade pode prosseguir com seus desígnios. Afinal diz o autor: “A vida é um fogo, nós somos suas breves incandescências.” Assim se fecha o ciclo, e o neto pode voltar à cidade e se despedir da ilha, da casa, da família e do passado.


E na última das inúmeras cartas dirigidas ao neto, que era, na verdade, seu filho - escritas aliás por ele mesmo em uma espécie de estado de encantamento -, o avô diz:  “Você, meu neto, cumpriu o ciclo de visitas. E visitou casa, terra, homem, rio: o mesmo ser, só diferindo em nome.”


Um livro que inspira compreensão, amor, deslumbramento, ambientado em meio a uma realidade contraditória de um continente espoliado e revirado do avesso por séculos de dominação e de violência. Essas histórias, afirmou certa vez Mia Couto em uma entrevista: “nascem da entrega aos outros, da capacidade de escutar a alma das pessoas que a vida tornou mudas e invisíveis.”



* Gestor cultural, Diretor de Teatro, Escritor e Tradutor de alemão.


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COMENTÁRIOS

  • Postado por: ayle salassié filgueiras quintão
    03 NOV. 2021 às 17:49

    \".. .entrega aos outros\" . A fala espontânea `captada pelo pesquisador, pelo escritor e pelo jornalista é muito diferente daquela que a audiência, cada uma com pretensões científicas ,reproduz metodologicamente . Existem muitas formas e formatos de se aprisionar a fala como verdade empírica, como interpretação (fenomenológica) e ou como notícia mesmo . Mas, a fala espontânea é antes de tudo poética. Gosto muito do trabalho do Mia Couto, e acho que ele, já meio ocidentalizado culturalmente, enfrenta desafios como esses. Sua interpretação da vida africana tenta incorporar vivências enraizadas, cujos sinais emitidos pela cotidianidade , nas mãos de um escritor, de um jornalista ou de um cientista, escorregam quase sempre, derramando a cé aberto sentidos sagrados e poéticos. Mas viva Mia Couto!

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