LENHA NA FOGUEIRA 3
RESENHA - WILLIAM BERGER: “CORPOS ESTÉTICO-POLÍTICO – Teatro do Oprimido, Direitos Humanos e Ancestralidades”.
Por Pedro Bussinger*
Muitas atividades político-pedagógicas que organizávamos ou que vivenciávamos, desde a década de 80, com objetivos de educação política para grupos populares, muitas das vezes praticávamos uma didática bancária, ou seja, uma prática de repassar informações de ideias ou conceitos de educador para educando, sem considerar o saber do educando. A mente do educando era considerada uma “tabula rasa”, isto é, um espaço vazio de ideias, experiências, vivências, etc., que fosse necessário encher “depositando” conteúdos. Era e é ainda difícil superar a lógica com a qual somos criados e que nosso senso comum assimilou, isto é, a lógica da relação causa e efeito.
O educador é causa e o educando o efeito. Mesmo ressaltando a integridade e as boas intenções do educador não superávamos as práticas de uma velha didática de apenas reposição de conteúdos. Tentávamos fazer os educandos, operários/as e trabalhadores/as e pessoas do segmento popular a entender os conceitos de opressões de classes, por exemplo.
O pensador e educador Paulo Freire com a pedagogia do oprimido veio a propor outra lógica pedagógica e política, sustentando que o conteúdo é a própria existência do ser a se auto educar e que a atividade dialógica deve envolver a própria linguagem do humano do processo educativo. A linguagem expressa a vida. Marx insistiu, na Ideologia Alemã, que na análise histórica deve-se partir sempre “do indivíduo humano vivo”. Gramsci também afirma que sempre se deve considerar a situação em que o ser humano (o homem) se encontra.
Partindo dessas afirmações que relevam que o ponto de partida da análise, da ação política, de uma prática pedagógica deve realizar-se considerando a concretude da existência e, por concretude, deve-se pensar no corpo do indivíduo humano, insistimos algumas ocasiões que para a educação popular com foco nos Direitos Humanos faltava-nos uma proposta de educação através da arte. Agora creio que nossa aspiração foi realizada.
O livro do professor William Berger “Corpos Estético-Político” traz um detalhado conteúdo teórico/prático do Teatro do Oprimido que significa uma das melhores contribuições no campo de uma pedagogia política popular para uma educação libertadora. A obra é elaborada tendo como fundamento a Pedagogia do Oprimido de Paulo Freira e as ideias inovadoras de Augusto Boal que criou uma proposta teatral que fosse também uma prática estético/pedagógica de libertação do oprimido.
O livro apresenta as fases ou os momentos cênicos em que uma estética, uma estética do corpo é vivenciada, ou melhor, é existencializada. Trazer à existência aqui significa situar o corpo do ator no tempo, no seu tempo. O ator é o próprio oprimido, ele não está no palco e a cena pode ser vivida em qualquer espaço. A estética do Teatro do Oprimido é revolucionária porque a vivência cênica busca transformar uma consciência de si do ator em uma consciência para si, uma consciência de si como sujeito que se entende como criador do mundo. O sujeito cênico aqui é o criador de sua própria libertação.
O Professor William Berger nesta obra apresenta detalhes de sua vasta experiência teórico/prática com o Teatro do Oprimido e destaca a inspiração que recebeu de Augusto Boal, seu mestre, quando realizou sua formação e aprofundamento sobre o TO no Centro de Teatro do Oprimido (CTO), sob a supervisão artística de Augusto Boal em 2008. Saudamos, portanto, o trabalho do Prof. Berger que traz uma importante contribuição para a educação popular libertadora de modo geral em nossa sociedade. Assim, movimentos sociais, partidos, sindicatos, escolas, igrejas, sistema prisional, movimentos no campo e lutas de resistência dos índios têm à disposição um poderoso instrumental teórico/prático para a libertação do oprimido e de condições culturais de opressão.
Professor William Berger é docente no Departamento de Serviço Social da UFES e coordena também o NEVI – Núcleo de Estudos sobre Violência, Segurança Pública e Direitos Humanos da UFES.
*Professor Universitário, Mestre em Filosofia.
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