Por Pedro José Bussinger*
A Ética em Kant. A ética é considerada, no campo filosófico, com a teoria ou uma reflexão sobre a ação moral dos indivíduos e grupos por meio de valores morais. No campo do saber ético pensa-se na importância, na qualidade, nas condições e no alcance dos valores morais. Por exemplo, que importância cumpre os valores da honestidade, respeito, justiça, fraternidade, coragem, dignidade, benevolência, liberdade, verdade, etc.? Os valores morais são criados pelos seres humanos para as relações humanas agradáveis, evitando mesmo as agressões e ou violência em nossas relações intersubjetivas ou pessoais na sociedade. No campo ético exige-se – as condições – que o sujeito da ação moral: 1 ) tenha consciência de si mesmo e dos outros; 2) tenha vontade de agir moralmente; 3) tenha controle dos impulsos e desejos próprios; 4) seja responsável pelas consequências de seus atos; 5) seja livre ao agir moralmente.
A teoria ética de Kant tenta cobrir essas condições. Vejamos: a) Kant disse que o ser humano é um ser natural e assim sendo eles são guiados em suas ações por seus desejos, tendências, inclinações, impulsos e paixões que interferem nas suas escolhas e comportamentos. Esses elementos são externos aos seres humanos – heteronomia - e colocam obstáculos às ações livres – autonomia - dos indivíduos. Atentemos aqui à noção de liberdade. Quando os humanos agem em práticas morais motivados por causas externas, ou sejam, buscas por prestígio, admiração, elogios, medo de ameaças, vantagens pessoais, etc., eles não agem moralmente porque não são livres, autônomos em suas ações. A autonomia do sujeito da ação aqui é fundamental para qualificar a ação como moral. Uma ação moral – o exercício de um valor - que é motivada, por exemplo, para levar benefícios, alegrias ou estados de felicidade para um indivíduo ou grupos também não é moral, pois as motivações são externas e, sendo assim, não são livres. Uma ação livre é uma ação realizada por DEVER.
Mas o que é isso, o DEVER?
Kant faz uma comparação contraditória, de oposição entre uma ação por necessidade – relação de causa e efeito –, no caso os fenômenos da natureza e a ação humana livre. Os fenômenos naturais são independentes da vontade humana. Kant diz que os seres humanos agem escolhendo as ações a realizar porque ao escolher eles estabelecem fins ou finalidades para as ações. No caso da ética os fins são os valores a realizar. Mas uma prática ética, a ação moral, deve visar o bem.
Como visar o bem?
Estabelecendo, o sujeito da ação, uma lei moral para si mesmo e esta lei é o DEVER. Este é o impulso da vontade que age de forma livre, independente das motivações ou causas externas. Quem age assim está agindo para o bem. O DEVER é uma imposição da vontade, é uma lei que o sujeito ético impõe a si mesmo. Assim ele mantem a LIBERDADE.
O DEVER expressa, para vários comentaristas de Kant, o locus do conceito de liberdade do pensador que também estará fortemente presente em seu pensamento político, como veremos. O ser humano expressa a sua humanidade ao agir por dever. Atente-se aqui para a “força do universal”. Se as ações dos indivíduos são ‘corrompidas’ por desejos, inclinações e condições externas, Kant formula uma teoria ética que tenha valor para toda a humanidade. O DEVER não é uma imposição, o DEVER é uma proposição de nossa vontade racional livre. O DEVER não nos apresenta um conteúdo, conjunto de ações que devemos prática, um código de ética. Ele, o DEVER, é um universal, um vazio, uma forma que deve ter validade para a ação moral de qualquer indivíduo, portanto, para toda a humanidade. O DEVER é um ‘imperativo categórico’, uma lei moral interior que ordena, como assevera o pensador.
Mas como funciona?
Funciona também obedecendo a um princípio, uma fórmula de valor universal. Kant diz “Age em conformidade apenas com aquela máxima pela qual possas querer ao mesmo tempo que ela se torne uma lei universal”. Dessa máxima Kant formula três outras mais, mas vamos considerar apenas a seguinte: “Aja de maneira a tratar a humanidade, tanto na sua própria pessoa como, a cada oportunidade e simultaneamente, na de qualquer outro, como fim, e nunca meramente como meio”. Daqui nós podemos concluir o valor do ser humano na medida em que nunca o trataremos, em qualquer circunstância, como um meio, mas sempre como um fim.
Nesse sentido do ser humano tem valor em si mesmo porque ele tem sempre a humanidade em si. O ser humano nunca poderá então ser manipulado por outrem – indivíduo ou Estado -, visando objetivos pessoais ou de grupos. Mentir, por exemplo, é inadequado, pois a mentira é sempre uma manipulação do outro, etc. A dignidade humana, tão cara aos Direitos Humanos, segundo Kant, está em o ser humano ser tratado como fim, a liberdade do outro e nunca como um meio. Vemos então que na liberdade está a dignidade humana.
* Professor universitário, Mestre em Filosofia.
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