Por Ricardo Coelho dos Santos*
Uma importante empresa aqui no Brasil, tendo maior necessidade de comunicação entre os empregados, assinou um contrato com uma operadora de celulares. Entretanto, eis que as comunicações foram falhas. O corpo profissional, tendo recebido aparelhos para garantir que os contatos não perdessem continuidade quando cada pessoa estivesse longe das suas escrivaninhas com seus aparelhos fixos, reclamou com a contratada e exigiu que os telefones funcionassem como seria esperado, e eis que a operadora respondeu que, apesar do contrato firmado, aquela área não oferecia uma boa cobertura.
A grande empresa, então, de acordo com os termos acordados, cobrou uma multa diária por mau atendimento. A operadora não deu a menor importância ao fato, uma vez que a má cobertura de comunicação era uma situação corriqueira e que aquela cobrança de multa seria indevida. Consequentemente, as comunicações continuaram falhas e o montante das multas crescia no dia a dia. A empresa, então, recorreu à Justiça.
O Tribunal, no julgamento do caso, determinou que não só a operadora deveria pagar a multa mais as custas do processo como essa continuaria sendo cobrada até que a operadora resolvesse acertar a cobertura de acesso aos celulares. Resultado: poucos dias depois, a cobertura foi acertada, a multa, atingindo valores milionários, foi paga e assim o caso foi encerrado.
Sim. Esse caso foi real e ocorreu no Brasil. Estou usando-o, omitindo os nomes envolvidos, para chamar a atenção sobre dois aspectos.
O primeiro é que muitas operadoras de serviço não atendem aos consumidores. Esses, têm que correr atrás, se esforçar, mesmo pagando, na esperança de ser atendido. Todavia, sabendo que o serviço não será devidamente realizado, as organizações o vendem e deixam o consumidor gastar voz, tempo e paciência em reclamações. Em algumas vezes, ele é até satisfeito.
O outro é que, para ser atendido naquilo que muitas vezes a própria lei exige, o consumidor deve recorrer à Justiça. Não há rito de atendimento automático pelo direito adquirido.
Isso não ocorre somente na relação entre prestadores de serviço e consumidores. Ocorre com quase tudo o que se refere entre as organizações privadas ou estatais e a massa popular. O cidadão, consumidor ou não, tem a obrigação de pagar, com várias leis que exigem e obrigam os desembolsos e, em troca, tem toda dificuldade do mundo de receber o prometido, acordado e até mesmo legislado.
Infelizmente, a maioria da população não tem acesso a um time de advogados que consigam arrancar de um prestador de serviços que não cumpre com suas obrigações uma lição para não mais esquecer. E, para nossa infelicidade, estamos contemplando, cada vez mais, com leis que tiram direitos do povo. Verdade que há abusos por trás de alguns benefícios concedidos, porém, esses abusos alimentam o corte dessas concessões e, como resultado, quem abusou sai ganhando impunemente na maioria das vezes e quem foi honesto e ético é que sai perdendo.
Os impostos altos cobrados pelo governo não são mais suficientes para satisfazer a sanha financeira que beneficia partidos com somas vultuosas e prejudica a educação, a saúde e a segurança. Quem quiser ter um bom serviço prestado, que pague, além de continuar pagando os impostos. E nada garante que o serviço prestado será bom de fato. Por exemplo, os Correios não entregam os boletos em dia e o cliente é quem paga a multa de atraso. Manda-se o cliente correr atrás da conta a ser paga, como se houvesse alguma coerência com tal resolução.
O transporte público está cada vez mais precário. Ônibus superlotados têm até linhas canceladas por uma falsa insuficiência de passageiros. A linha que eu usava e me levava diretamente ao trabalho, que eu ia geralmente em pé, foi simplesmente cortada, me obrigando a usar um terminal e me fazendo chegar com atraso de uma hora e meia. Resultado: acabei indo de carro, contra tudo o que preconiza a política urbana de transporte. O excesso de carros, então, produz uma imensidão de dinheiro jogado ao ralo pelos motoristas em engarrafamentos monstruosos, afetando não só a economia popular como o ambiente. E não se vê uma só ação política de transporte, senão discussões infrutíferas, promessas cumpridas pela metade e somente nas épocas de eleição.
Isso, além de ações jurídicas de origem duvidosa que provocam atrasos e até paralizações de obras que beneficiariam o povo.
Cobranças indevidas são difíceis de serem ressarcidas, obrigando as vítimas a buscarem no Poder Judiciário a solução que deveria ser automática, inclusive com as multas devidas, bastando para isso se chamar a atenção ao fato. Por causa disso, unidades do Procon, que deveriam ser buscadas para orientar casos realmente duvidosos, não flagrantes, usam suas instalações, funcionários, tempo e energia para que os fornecedores entreguem simplesmente o óbvio. Isso leva a parecer que é mais barato ressarcir um consumidor lesado do que prestar um atendimento adequado
E, ainda, trabalhadores se vêm frustrados com empresas que deixam de pagar os salários devidos, vindo a somar os casos jurídicos da esfera trabalhista que demoram anos a serem julgados, no lugar de se fazer cumprir o ritual imediato do “pague-se”! Como já dito acima, as leis estão cada vez mais a favor dos desonestos. Os trabalhadores hoje vêm suas esperanças se esvaírem devido ao tempo de resposta da Justiça afogada em um número astronômico de causas e a legislação cobrando mais deles do que do empregador que se faz pela exploração das forças que sustentam suas empresas.
Sim. O povo está sendo cada vez mais esquecido. Nas eleições, ele é lembrado como uma massa com anseios, desejos e necessidades — tudo isso a ser esquecido. O que interessa é simplesmente o poder e sua sustentação de quem não tem a quem recorrer efetivamente.
* Escritor e Engenheiro.