Por Ricardo Coelho dos Santos*
Permitam-me, senhoras e senhores, descrever algumas aventuras que vivi, a respeito de lugares visitados e seus respectivos hotéis, frutos da combinação de ter trabalhado numa empresa de alcance nacional e ainda ser membro do Movimento Escoteiro. Essas duas condições me levaram e ainda me levam a situações inusitadas.
Chamo a atenção especial aos hotéis, pois esses estabelecimentos são os principais espelhos das cidades onde estão localizados. E não é só isso. Eles são a porta de entrada e até mesmo um dos seus atrativos mais procurados.
Um hotel pode agradar sendo tanto conservador como moderno. Em Campos dos Goytacazes, eu gostava de me hospedar em um maravilhosamente mal-assombrado, com um restaurante de primeira. Em Conceição da Barra, estive em um também mal-assombrado, que hoje está fechado. No Rio de Janeiro, passei uma boa temporada no famoso Hotel Glória, luxuoso e tradicional, com jardins internos e uma piscina de primeira, além de vários restaurantes, sendo o de buffet aberto o meu preferido. Havia também um restaurante de luxo, mas o garçom era tão ruim que me recusei a voltar lá. Uma pena que esse hotel será convertido num condomínio residencial. Aqui, na Grande Vitória, já vimos isso, me referindo ao igualmente tradicional e muito bem referenciado Hotel Estoril. Aliás, numa feita, eu estava dando aula no Maria Ortiz quando uma mulher resolveu tirar a roupa com a janela aberta e se mostrar para os alunos. Foi difícil contê-los na sala.
Outro hotel que infelizmente também fechou as portas foi o San Karlo, em Cachoeiro de Itapemirim. Poucos empregados, mas muito atenciosos, e um bom café da manhã.
O Glória tinha até um café da manhã fantástico, maravilhoso, mas não foi o melhor que já vi. No Rio de Janeiro mesmo estive em um hotel com menor qualificação estelar em Copacabana, com apartamentos minúsculos, mas um desjejum inacreditavelmente superior. E, apesar do pequeno tamanho do apartamento, ele era completo e tão bem projetado que nenhuma porta esbarrava na cama ou no armário.
Continuando o assunto sobre café da manhã, encontrei ainda mais fantásticos em São Paulo e em Natal. A primeira refeição do dia forma, com o bom atendimento e o conforto, o tripé fundamental que atrai hóspedes, mais do que sua aparência externa ou sua idade. Quem recusa ir a um estabelecimento por ele ser feio ou velho, perde boas oportunidades de uma viagem inesquecível.
Claro que, fora o preço, outros atrativos são diferenciais, como piscina, salão de jogos, sala de ginástica, internet, boa localização, ornamentos, loja de conveniências e restaurante. Mas, sem o tripé fundamental, esse hotel não será uma boa referência nas memórias afetivas de uma viagem. Para citar um exemplo, os hotéis razoáveis dos Estados Unidos possuem formatos padronizados, com corredores externos, camas largas e ar condicionado perfeito, máquinas de refrigerante e gelo e lavanderias que funcionam com moedas. O que mais os atrai são os cafés da manhã e os atendimentos. No primeiro quesito, temos desde cafés pagos aos gratuitos, alguns só com café e bagels, e outros até com equipamentos para fazer panquecas e wafflels. Nenhum tem serviço na lanchonete, mas tudo é tão fácil de manipular que isso se torna realmente desnecessário.
Porém, vamos e venhamos: o melhor café da manhã que já tomei foi no Espírito Santo, em Santa Maria do Jetibá, num evento para Chefes e Dirigentes Escoteiros. E olha que já passei em hotel que servia espumante no desjejum e em outro, onde fui conduzido do bufê a uma ala onde se comia tapioca com queijo de coalho e ovo frito na hora… Vale a pena experimentar, com o sério risco de se ficar viciado.
Assim, quero presentear aos leitores algumas experiências de hospedagem que já vivi. Creio que algum escritor mais tarimbado poderia fazer uma antologia desses “causos”.
Em Conceição da Barra, numa outra viagem, fiquei num hotel feito de madeira. Nada contra, porém, o forro era fino e furado, e toda hora alguém transitava lá em cima, fazendo barulho de rangido e tirando o sossego. Em Macaé, RJ, a faxineira abriu minha mala, tirou toda a roupa usada, lavou, passou e a recolocou na ordem. Em Cachoeiro de Itapemirim, a rampa da garagem era tão inclinada que fez o meu carro deslizar, freado, ladeira abaixo até bater na parede. Em Guaíra, RS, na época em que fui, havia uma excelente churrascaria indicada pelo hotel. Quando cheguei lá, com minha esposa, todas as mesas estavam ocupadas por gente assistindo televisão. O garçom perguntou que mesa que a gente queria sentar, mas, com todas cheias, foi uma escolha constrangedora que tivemos de fazer. Escolhido, o garçom enxotou o pessoal de lá e nos fez sentar. Colocou toalha de linho na mesa, coisa rara hoje em dia, e comemos um churrasco realmente maravilhoso.
Em Orlando, na Flórida, um dos hotéis não repunha itens de consumo nem lavava as toalhas. Mesmo se ficássemos lá um mês, teríamos de utilizar o mesmo material até nossa saída. Em outro estabelecimento, ficamos presos devido a um furacão. Passamos por apreensão, pois tínhamos dúvida se o material com que ele foi construído suportaria o vento forte, mas o que nos atingira era somente periférico, com intensidade menor. Mesmo assim, foi uma experiência e tanto!
Em um hotel no Rio de Janeiro, deparei com um homem totalmente despido (para não dizer “pelado” — não quero chocar os leitores) na cama. Reclamei e verificaram que foi oferecido o mesmo apartamento para dois hóspedes diferentes. Em Domingos Martins, onde me costumo hospedar na maravilhosa Pousada dos Pinhos, resolvi diversificar e fiquei num hotel em que, terminado os itens do café da manhã, não tinha reposição para quem chegasse mais tarde.
E, para terminar, relatarei como me hospedei no mais surpreendente estabelecimento em que já estive. Uma história que sempre quis colocar no papel e por isso resolvi redigir esse texto.
Tinha sido chamado pelo meu chefe que me perguntou se eu conhecia uma determinada cidade no Recôncavo Baiano. Bom, sou engenheiro de petróleo e o Recôncavo foi uma das minhas escolas. Diante minha resposta positiva, me mandaram embarcar imediatamente para Salvador, onde um carro me esperaria.
Lá fui eu. Encontrei o motorista no aeroporto e fomos para o interior da Bahia, após uma pequena viagem. Parei no hotel e reparei no apartamento. Não havia janelas e, para compensar isso, alguém tinha desenhado uma, com lápis de cor, retratando cortinas azuis, um sol nascendo, uma árvore com sombra em direção ao sol, e um passarinho cantando num galho de outra árvore, em primeiro plano. Pelo menos, o ar condicionado funcionava bem. Barulhento que nem um engarrafamento de caminhões, mas não seria isso que impediria meu sono.
Me preparei e corri para o local da solenidade, que seria o início de um curso gratuito para profissionalizar pessoas de baixa renda. Era um evento do Prominp, um excelente programa de governo que hoje não existe mais.
A solenidade consistiu numa aula magna que serviria mais para engenheiros e administradores do que para aquele pessoal que, coitados, teriam suas primeiras profissões agora. Terminada a dissertação, foi oferecido um bufê no estilo que se ofereceria a um rei. Eu estava com fome e prestes a ter um problema sério devido a isso, mas os alunos tinham preferência. Eles ficaram plantados, diante a enorme mesa, sem coragem de estenderem as mãos, incrédulos que tudo ali, centenas de doces e salgadinhos com apresentações luxuosas, era deles. Uma senhora os incentivou a comerem, deixando bem claro que era para eles que tudo estava sendo oferecido.
Pronto! Em menos de dois minutos, a mesa ficou limpa. Eles, coitados, pularam arrastando tudo com as mãos e guardando o máximo que podiam nos bolsos dos macacões. Ninguém os censurou. Claro que não era de se esperar, mas poderiam ter lhes servido um lanche antes, pois se via que eles estavam tão famintos como eu. Consegui pegar um biscoito. Um só. Delicioso! E isso foi o que sobrou para mim.
Eram dez da noite e, enfraquecido, fui ao hotel, e lá perguntei onde conseguiria comer alguma coisa naquelas horas, e eles me indicaram um restaurante colado ao hotel, que parecia estar fechado. Mas não estava.
Sentei a uma mesa. Era uma mesa alta: na altura do meu peito. Baixinhos não se dariam bem naquela cidade! Ao meu lado, tinha uma família degustando uma pizza que tinha todos os ingredientes de uma feira livre na cobertura. Aquelas que eles chamam de Pizza Portuguesa, assunto já comentado por minha pessoa nesse mesmo jornal. Um dos homens que acompanhava a família era o garçom que se levantou e me ofereceu o cardápio. Era grosso, com muitas opções a escolher. Queria comer carne e pedi um filé à Parmegiana e uma cerveja de determinada marca. O garçom me falou:
— O senhor não vai querer um filé à Parmegiana. O senhor vai querer é meio filé à Parmegiana e a cerveja que o senhor pediu vem de São Paulo. Vou trazer outra, má afamada no Brasil inteiro para a nossa sorte, pois a fábrica é nesse município e ela vem fresca e muito boa. O senhor não vai se arrepender.
Abro parênteses aqui para o despojamento do povo baiano. Sempre me dei muito bem com eles e, se você se mostrar arrogante e pretencioso, não consegue lá nem amizade nem bom serviço. Aceitei a oferta e não me arrependi. Na verdade, glutão que eu era, na responsabilidade de manter meus 98 quilos com abdômen esférico muito bem definido, não consegui comer o tal do meio filé, pois era maior que muito filé inteiro dos melhores e mais fartos restaurantes da Grande Vitória. E a cerveja estava perfeita!
Fui dormir diante o belo quadro da janela com passarinho e, na manhã seguinte, um pouco sonado, pois raramente durmo bem na primeira noite em qualquer estabelecimento, desci para o café da manhã.
Meu motorista já estava lá e o convidei a tomar café comigo. Havia duas mesas pequenas de bufê. Em uma tinha uma cesta com dois pães de sal (ou, preferindo o leitor, pães franceses), algumas fatias de queijo muçarela e outras de presunto, todas enroladas caprichosamente. Na outra tinha aipim cozido, inhame, bolo de milho verde, mel, manteiga, cuscuz, banana da terra cozida, paçoca de banana da terra, beiju e outros itens da culinária baiana que não me recordo mais. Ora, o que o leitor acha que eu escolhi?
O motorista e eu caímos naquilo e nos esbaldamos. O dono do hotel nos olhou satisfeito e me revelou:
— Pensava que o senhor fosse carioca!
Quis saber o porquê, e o que ele me disse se mostrou uma verdade que passei a reparar em todos os lugares que eu ia com o pessoal da cidade do Rio de Janeiro:
— Carioca vem aqui e só come um pãozinho, um queijinho, um presuntinho e uma xícara de café com leite e sai correndo. Não senta para tomar um café da manhã de verdade!
Voltei para casa satisfeito. O hotel nem quis que eu pagasse o café do motorista. Meu voo acabara atrasando e só consegui chegar em casa às três e meia da manhã do sábado. Descansei um pouco e logo parti para ministrar um curso para dirigentes escoteiros.
*Engenheiro e Escritor.
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