Aylê-Salassié Filgueiras Quintão*
Para não versados em assuntos diplomáticos a pretensão do governo Lula de compartilhar a gestão do bioma amazônico com outros países parece ser uma ideia não bem de girico, mas uma imprudente aventura, conduzida pelo o que se chama de "governance", gestão eficiente, de responsabilidade entre parceiros nacionais e estrangeiros.
Beneficiariam a nossa população tupininquim ou seria uma abertura planetária para a Amazônia? Quem pensou nisso, imaginou algo de dimensão planetária incluindo a responsabilidade comum.
Paradoxalmente, em nome de um certo modelo civilizatório, o mundo parece não querer abandonar a produção de gás carbônico (CO2), ao continuar a expandir o uso de máquinas e veículos movidos a combustíveis derivados do petróleo.
A floresta Amazônica absorve 30 % de CO2 produzido no Planeta. Mas, o homem interfere cinicamente no processo, desmatando e queimando florestas, que impedem um mal maior, o aquecimento global. A elevação das temperaturas tende desequilíbrios climáticos, e a provocar o desgelo nas zonas glaciais, elevando o nível dos oceanos, cujas águas ao subirem tendem a engolir áreas costeiras e países.
No caso da Amazônia não estamos sozinhos. Oito países - Brasil, Venezuela, Guianas, Colômbia, Peru, Bolívia, Equador e Suriname - são cobertos por esse bioma tropical, e estratégicos nesse jogo de mudanças climáticas. A Amazônia cobre 6,7 milhões de km2 do planeta com florestas tropicais, dos quais 5,5 milhões de km². Absorve 1/3 do gás carbono lançado na atmosfera, além de abrigar uma enorme biodiversidade e princípios ativos desconhecidos.
Há um esforço mundial na busca de uma governança global para os recursos naturais. Chegou-se a inventar os tais créditos de carbono, adquiridos por governos e empresas nacionais ou estrangeiras, cuja aquisição daria passe livre para a exploração comercial da biodiversidade num total correspondente aos volumes de CO2 absorvidos pelos ecossistemas protegidos na Amazônia, no cerrado, Mata Atlântica e até no mar.
Mas, no viés dos efeitos climáticos, o Brasil passou a ser acusado, nas Conferências do Clima (COPs), de ser um dos maiores destruidores dos estoques de recursos ambientais no Planeta, ao não esforçar-se o bastante para conter os desmatamentos, nem as queimadas que consomem anualmente milhares de hectares de recursos bióticos endêmicos dos trópicos. Reconhecer isso por aqui é difícil. As inflexões políticas provincianas ou ideológicas afetam, visivelmente, a gestão ambiental no País, ao promover mudanças profundas nessas políticas internas a cada mandato presidencial que se sucede.
Cada um desses governos que ascende ao Poder trata os recursos ambientais à sua maneira e conveniência. O grupo dos sete países tidos como os mais desenvolvidos - EUA, Gran Bretanha, Alemanha, Suécia, Itália, Canadá e Japão - chegou a criar linhas de crédito bilionárias para um Programa Mundial de Proteção das Florestas Tropicais (PPG7). O Brasil recebeu volumosos recursos para a proteção da Amazônia, administrativamente geridos via Pnud - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Era uma doação sistematizada, cuja gestão operacional, no campo, cabia a uma Secretaria da Amazônia, localizada na estrutura do Ministério do Meio Ambiente. Foram instalados escritórios do PPG7 junto às secretarias de Meio Ambiente dos estados para estimular projetos locais e financiar centenas de projetos de estudos científicos e de exploração sustentável comunitária da biodiversidade na região, com a criação de reservas extrativistas para abrigar os caboclos na floresta e as populações indígenas nas suas terras. A Amazônia brasileira é habitada hoje por mais de 30 milhões de pessoas
Ciúmes entre secretários e secretarias, regiões e Ongs não contempladas no projeto geraram vieses ideológicos e, em consequência, o desmonte do PPG7 numa dessas mudanças de Governo. Argumentava-se, levianamente, que a política ambiental brasileira estava sendo coordenada por estrangeiros: um nacionalismo mais para falacioso. Embora os recursos do PPG7 fossem maiores que o Orçamento do Ministério - a contrapartida do MMA no Programa era ínfima - cabia ao MMA a responsabilidade direta pela sua gestão, via a Secretaria apropriada. O PPG7 foi substituído, em parte, pelo Fundo da Amazônia, que dava acesso direto as autoridades brasileiras. Os recursos começaram a escassear, com a redução gradual das doações e a fuga dos doadores.
O que está sendo proposto hoje: compartilhar a gestão da Amazônia, sem que se perca a soberania nacional, é algo, além de provocativo, meio fantasioso. Que figura jurídica é essa? Não são poucos os países e organizações internacionais que defendem a tese de uma "autonomia relativa" na região. Parte-se do princípio de que a Amazônia é patrimônio planetário. Daí a sensação de que as picuinhas internas estão abrindo as portas para uma escalada dessas presunções. Na área ambiental, o Brasil não tem tido uma política convincente e, agora, pretende-se - facilmente detectado - retomar essa retórica protecionista para captar recursos no exterior destinados a financiar políticas públicas atemporais para a Amazônia.
A intempestiva expulsão dos garimpeiros das terras isoladas no Norte, incluindo as reservas dos yanomamis, vai gerar milhares de trabalhadores sem ocupação que haviam migrado para a região, despovoando as fronteiras, propícias às invasões por estranhos, e até desmontando a renda de alguns grupos aborígenes. As encenações políticas são casuísticas. O ex-ministro da Defesa de Lula e Dilma, Aldo Rebelo, que visitou a região, disse em entrevista recente que os problemas que estão sendo denunciados AGORA estão lá há mais de vinte anos: atravessaram esses últimos governos todos, e quem manda por ali são as ONGs.
Como financiar as soluções capazes de amenizar o abandono dessas populações ? Joe Biden, Presidente dos EUA, no encontro com Lula, ofereceu uma contribuição de US$ 50 milhões para ajudar ações climáticas do Brasil. A oferta foi desdenhada. O valor é, de fato, pouco significativo. Contudo, reflete uma desconfiança nas verdades políticas, proclamadas aos quatro ventos, e na sinceridade dos objetivos da Agenda Brasileira para o Meio Ambiente.
Lula, com sua impetuosidade discursiva, anunciou que inauguraria esta semana uma nova narrativa política (???) , na viagem que estaria fazendo pelos estados do Nordeste. Em estilo político convencional vai anunciar um punhado de obras e feitos em gestões anteriores, nos 100 dias iniciais de governo e, por certo, fazer promessas para o futuro, como o fez nas administrações passadas: chegou a inaugurar pedras fundamentais. Em seguida, vai a China visitar Ji Jinping que disputa espaço político com Joe Biden, a quem acaba de visitar. Quanto à Ucrânia, lavou as mãos para a invasão russa. Ministros e gestores das políticas públicas precisam estar atentos. Podem se enrolar com a narrativa e as promessas de Lula. O Congresso não demonstra disposição para embarcar em determinadas canoas. O Supremo até que pode... A diplomacia brasileira, por sua vez, parece estar embrenhando-se por um campo minado, de futuro imprevisível.
*Jornalista e professor
Não há comentários postados até o momento. Seja o primeiro!