Meus bons amigos do “Debates em Rede”.
Recentemente, pedi num restaurante de uma das inúmeras franquias existentes no mundo, de escolas a farmácias e de livrarias a lojas de conveniências, um sanduíche a título de um satisfatório jantar. Era um prato que me parecia ser farto e de bom gosto. E, realmente, em nada, nadinha, me arrependi, e veio ainda com uma surpresa: estava espetado por dois palitos para fixá-lo. Então, veio a mim a inspiração para escrever esse texto.
Abrindo um parêntese, devemos deixar claro que inspirações são coisas mágicas. Sofrendo um furacão no Havaí, Spielberg se inspirou para filmar Twister. Vendo uma bicicleta se chocando com uma carroça, Einstein se inspirou em elaborar a Teoria da Relatividade. E, assim, fecho o parêntese.
Ao ver aqueles palitos, me recordei que, quando eu era um garoto, pedia às vezes, sanduíches frios em lanchonetes. Misto frio, mais especificamente, coisa que existia naquela época, mas, agora, tenho minhas dúvidas se ainda o encontro. O misto frio era feito como o misto quente, mas sem passar na chapa ou na grelha, sempre feito com pão de forma, com ou sem a casca conforme o gosto do freguês. E, sim, vinha atravessado por um palito com uma azeitona ou um pedaço de pimentão na ponta. Era a norma! Hoje, se mistos frios são coisas meio sem graça, pois as lanchonetes trocaram o queijo prato por muçarelas sem gosto quando não aquecidas, com certeza não vêm mais com os simpáticos palitos adornados pelas atraentes azeitonas, e como foi dito, com ou sem casca, conforme o pedido do cliente.
Não quero aqui chorar por um passado que não volta mais. Muita coisa na nossa vida e na nossa sociedade melhorou bastante. A população, em geral, está mais consciente sobre a natureza e os direitos individuais, embora persistam alguns abusos que, em reação, felizmente ainda nos escandalizam. Entretanto, coisas boas se perderam pelos tempos, seja por fruto do comodismo dos prestadores de serviços, seja por causa das políticas econômicas das franquias existentes. Uma linha aérea descobriu que faria uma enorme economia ao se eliminar uma azeitona dos lanches servidos. Assim, penso qual seria o número de viajantes dessa companhia… Se bem que hoje, se alguém ainda serve algum lanche lá encima, será novidade.
Então, vamos para algumas perdas que não vemos mais.
Alguém se lembra da taça colegial? Nas lanchonetes, quando se pedia um sorvete, ele vinha com um xarope de groselha no fundo, o sorvete propriamente dito, e uma cobertura que poderia ser morango, chocolate, caramelo ou marshmellow. Não se conhecia bem o creme de chantilly, coisa servida somente nos estabelecimentos mais sofisticados do Rio de Janeiro e de São Paulo — posso adiantar que esse creme demorou muito a fazer moda no Espírito Santo. Uma lanchonete, nos anos oitenta, por exemplo, bem que tentou, mas acabou desistindo pela pouquíssima demanda. Pois bem, esse sorvete, que mais tarde foi comercializado com o nome de sundae, assim internacionalmente conhecido, era o preferido pelas famílias, mas estava com um preço acima do que um estudante poderia bancar. Um jovem, vindo de uma escola, com alguns tostões da mesada para se deliciar e refrescar com um bom sorvete de araçaúna, poderia apreciar uma casquinha, mas, para impressionar uma bela colega de saias esvoaçantes e meias até as canelas, pedia uma taça de sorvete adequada ao seu orçamento, e, aí, vem a taça colegial, que era de metal com capacidade para duas bolas em que o casal em ação de flerte tomava com uma colher e, principalmente, sentados no balcão da lanchonete ou sorveteria, podendo conversar sossegado enquanto eles se deliciavam com o belo sorvete roxo.
Mas vamos sair das lanchonetes e vamos para as ruas. Podíamos encontrar um garoto vendendo um pirulito cônico disposto em um tabuleiro furado. Ele gritava a todos os pulmões seu produto. Uma vez, flagrei uma família o fabricando. Levava mel entre os ingredientes, mas não sei se essa era a regra geral. Os meninos se concentravam na frente das escolas e não raramente vendiam toda sua produção de uma vez só. Eram gostosos, mas jamais saberei se eles são ou eram saudáveis, pois nunca mais os vi. Esses meninos poderiam vender também canudinhos no mesmo tabuleiro. Era um biscoito, também cônico, de massa, parecido um uma casquinha de sorvete, porém pequeno, vendidos nas suas versões doces, com recheio de doce de leite e cobertura de queijo ralado, ou salgado, com recheio de frango desfiado. Pessoas mais corajosas poderiam se arriscar com canudos recheados com camarão. Esses biscoitos ainda podem ser encontrados em supermercados para serem recheados em casa e servem como surpresas alegres em algumas festas de aniversário, principalmente a versão doce. Porém, não vejo mais isso ser vendido nas ruas. Creio que a Saúde Pública agradece.
Outra coisa perdida no tempo foi a troca de revistas. Troca de figurinhas ainda existe, e foi tão glamourizada que até nos shopping centers se reservam salas especiais para se oferecer espaços onde as figurinhas são trocadas. Mas e as revistas, ou, como se dizia na época, gibis? Havia uma variedade que os meninos, principalmente eles, compravam. Não era tão caro, mas não dava para se adquirir toda a oferta das bancas de jornais. Havia, dentro do gosto da juventude, Cavaleiro Negro, Flecha Ligeira, Zorro, Superhomem, Batman, Rock Lane, O Anjo, O Santo, Mike Nelson, Rock Lane, Os Três Patetas, O Gordo e o Magro, Abbot e Costello, Jerry Lewis, Nick Holmes, Os Sobrinhos do Capitão, Pato Donald, Mickey, Zé Carioca, Don Pixote, Zé Colmeia, Gasparzinho, Brasinha, Terror Negro, Drácula e alguns mais infantis como Xuxuquinha e Contos de Fadas, sem contar com Flash Gordon, Mandrake, Fantasma, Capitão Marvel (hoje, conhecido como Shazam) e outros… Muitos outros! Como comprar tudo isso com as economias sempre reduzidas? Simples! Se adquiriam dois ou três exemplares, iam para as portas dos cinemas nos domingos, dias de matinée, e ali se trocavam os gibis por outros que ainda não se tinham lido. Sim, naquela época, se lia, e muito. E os professores, podem não acreditar, condenavam essa leitura. Preferiam que os jovens lessem Machado de Assis e Camilo Castelo Branco do que as versões brasileiras de Walt Disney e Lee Falk.
Televisão era um troço que só funcionava a partir das 18 horas, passando um desenho animado ou outro, em preto-e-branco, e, logo, caindo para um noticiário local chato e arrastado. Mais à noite, entrava o Repórter Esso, bem mais interessante e, depois, uma novela contando uma história de um dramalhão lacrimejante e, em seguida, um show geralmente com uma puxada cômica. Mas, quem estava na escola, não via: ia para cama porque estava muito tarde.
Por isso, os jovens inventavam como se divertir. Brincavam, transacionavam, buscavam ter uma renda melhor para suas famílias e para eles mesmos, mas eram donos de suas vidas, longe de serem regidos por roteiros prontos de jogos viciantes ou de contatos ditos sociais, mas à distância. E os serviços não seguiam as regras fixadas por patrões situados até em outros países, permitindo atendimentos mais pessoais e ambientes mais humanizados.
A vida melhorou? Sem dúvida que sim! Mas que saudades de algumas coisas daqueles tempos de sessenta anos atrás…
*Engenheiro, Escritor
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