Guilherme Narciso de Lacerda* e Efraim Neto**
A previdência complementar fechada brasileira é composta por 277 entidades e o total do patrimônio administrado ultrapassa a R$1,19 trilhão, correspondendo a quase 12% do PIB nacional. Os números são grandiosos, mas o setor no Brasil é menor do que o de vários países desenvolvidos. Nos EUA, o montante gerido pelos fundos era de 40 trilhões de dólares em 2021 e correspondia a 173% do PIB. Os fundos de pensão do Reino Unido administravam, naquele ano, 3,24 trilhões de dólares, cerca de 119% do PIB e, por sua vez, na Holanda, onde há um sistema de previdência fechada muito forte, o total dos ativos era de 2,1 trilhões de dólares, correspondendo a nada menos que 210% do PIB daquele país. Estes números mostram a relevância do segmento na economia mundial.
No mundo inteiro a poupança previdenciária tem presenças importantes nos financiamentos de projetos de infraestrutura, na aquisição de títulos privados de crédito e nos financiamentos das dívidas públicas dos seus próprios países.
Os Fundos de Pensão dos países desenvolvidos têm presença também nos mercados de capitais externos. A condição para se fazer aportes no exterior é a de existir níveis suficientes de garantia e transparência, definidos pela classificação de investment grade. Diversos projetos de infraestrutura espalhados pelo mundo têm participações significativas dos fundos de pensão.
Em nosso país, os investimentos dos fundos de pensão estrangeiros são comemorados. As vozes dos mercados e os formadores de opinião em geral vibram. As decisões indicam confiança na economia nacional e fomentam negócios para os gestores financeiros.
Os projetos de infraestrutura são adequados para investidores que olham o longo prazo e que precisam ter programações de pagamentos definidos por metas atuariais. O importante é ter fluxos de recebimentos que não fiquem sujeitos a oscilações intensas no mercado e nem a ameaças tecnológicas. Por isso, fundos europeus, norte-americanos, japoneses e canadenses procuram investimentos em energia, portos e navios, florestas e concessões logísticas.
No Brasil, no passado recente, especialmente quando houve o lançamento dos PACs I e II, em 2006 e 2010, os principais fundos de pensão participaram de projetos de infraestrutura e também foram atores importantes no crescimento do mercado de capitais. Eles viabilizaram engenharias financeiras de projetos de logística, energia, indústria naval, aeroportos, rodovias e florestas plantadas, dentre outros, e contribuíram para a geração de emprego e renda no país.
Aquelas alocações de recursos foram, em sua maioria, exitosas; os resultados obtidos e demonstrados, anos depois, comprovam. Os problemas com perdas que atingiram determinados projetos foram resultado direto da insidiosa ação persecutória desencadeada no bojo do movimento de destituição irregular do mandato da Presidente da República e pelas operações “Lava Jato” e “Greenfield”.
Os grandes fundos de pensão associados a empresas públicas foram alvo de uma CPI em 2015 que gerou as condições para estender a eles os abusos das duas referidas operações. A interrupção de projetos econômicos estrategicamente planejados e cruciais para a nação resultou em sérias perdas para empresas, investidores, grandes bancos e os principais fundos de pensão. Um exemplo notável é a situação da SeteBrasil. Curiosamente, os líderes destas instituições acabaram sendo acusados criminalmente, em um impulso acusatório, mesmo sendo, de fato, vítimas da situação.
O novo PAC lançado recentemente pelo Presidente Lula contempla um rol significativo de projetos econômicos que precisam ser tirados do papel. Só haverá êxito na implantação de tais investimentos se houver o envolvimento direto dos investidores institucionais nacionais e do exterior. O orçamento público federal só suporta uma parcela menor dos projetos tão necessários ao País. As parcerias com estados e municípios são importantes, mas também têm limitações nítidas. O funding para o desenvolvimento terá que ser buscado por meio de concessões simples ou por parcerias público-privadas. Foi assim na grande maioria dos países que tiveram êxitos em seus programas de desenvolvimento estrutural. E terá que ser assim novamente por aqui.
É evidente que a presença de investidores institucionais em projetos do PAC só pode ocorrer se houver uma boa gestão de riscos e indicações claras da rentabilidade almejada. A independência nas análises técnicas é elemento intocável. Felizmente, há tempos que a governança do sistema de previdência complementar nacional adquiriu um elevado padrão, reconhecido inclusive por entidades regulatórias internacionais.
Os recursos dos fundos de pensão brasileiros estão hoje alocados majoritariamente (cerca de 80%) em títulos do Tesouro Nacional. Com a necessária queda das taxas de juros e com os incrementos que ocorrem na expectativa de vida dos associados as entidades serão forçadas a transferir parte de seus recursos para projetos que ofereçam rentabilidades maiores. Juros reais mais baixos restringem os pagamentos de benefícios ao longo dos anos. Portanto, será imprescindível ter bons projetos (sob concessão ou não) com rentabilidades maiores. O deslocamento para renda variável, por exemplo, de 10% dos recursos totais das entidades previdenciárias fechadas corresponde a R$120,0 bilhões alocados em projetos da economia real que podem ter interessantes retornos.
O principal obstáculo para que os fundos de pensão brasileiros participem novamente de projetos de infraestrutura reside na necessidade de desfazer a desonrosa estigmatização que enfrentaram. Durante anos, foram alvo de notícias tendenciosas, manchetes sensacionalistas, artigos enganosos e discursos prejudiciais. A maneira reativa como essas instituições nacionais são tratadas contrasta com o tratamento dado aos fundos internacionais. Isso fica evidente na forma estabelecida pela mídia corporativa de interpretar os déficits que ocasionalmente surgem nos resultados dessas entidades.
O termo que se normalizou foi o de “rombo”. Ele traz em si a ideia de irregularidade. Se houvesse o zelo de olhar a essência dos fatos, seria constatado que são déficits derivados de acontecimentos próprios da dinâmica econômica, tal como ocorre nos demais países. Aliás, na última década, os fundos de pensão no exterior tiveram déficits superiores aos daqui, e em vários, tais déficits persistem até hoje. E nem por isso eles são colocados na berlinda sob suspeição e seus resultados não são lidos como “rombos”.
Enfim, as gritantes necessidades de investimentos estruturantes em nosso país requerem a participação da poupança previdenciários em projetos com indicações técnicas de retorno suficiente e adequada gestão de riscos. Para tanto, é imprescindível que se reconstrua ambientes institucionais favoráveis, inclusive envolvendo os atores dos mercados de capitais e dos órgãos de controle e regulatórios.
* Doutor em Economia pela Unicamp, mestre em Economia pelo IPE-US. Foi Presidente da FUNCEF (2003-20010) e Diretor do BNDES (2012-2015). Autor do livro “Devagar é que não se vai longe – PPPs e Desenvolvimento Econômico”, publicado pela Editora LetraCapital. Membro associado da Veredas Inteligência Estratégica.
** Jornalista, especialista em democracia, república e movimentos sociais, pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Atuou em diversas funções na Secretaria-Geral da Presidência da República, no Ministério das Comunicações e na Secretaria de Governo da Presidência da República. É diretor da Veredas Inteligência Estratégica.
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