Fabrício Augusto de Oliveira*
Durante a campanha presidencial de 2022, Lula prometeu principalmente para a classe trabalhadora e para a população mais pobre do país que, se eleito, sua mesa seria servida com picanha, acompanhada, pelo menos nos finais de semana, de cerveja. Apesar do desempenho da economia, que cresceu, em média, 3% nos dois primeiros anos de seu mandato atual, puxado principalmente pelo aumento dos gastos públicos; da queda do desemprego de 7,9% em dezembro de 2022 para 6,1% em dezembro de 2024; e do aumento da média salarial do brasileiro, neste período, dificilmente, a não ser em alguns casos, pode-se afirmar que essa promessa já tenha sido cumprida. Pode até ser que isso tenha ocorrido com a carne de segunda, mas improvável que a picanha já tenha passado a fazer parte de seu cardápio, especialmente no caso dos mais pobres.
Indagado se essa promessa conseguirá ser cumprida até o final do mandato do presidente Lula, nos primeiros dias de 2025, em entrevista à Globonews, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, mostrou-se otimista, respondendo que “podemos chegar bem em 2026 e espero que “comendo até filé mignon”. Para ele, a economia chegará em 2026 “muito mais arrumada” do que a herdada no início do governo, inclusive do ponto de vista fiscal e, consequentemente, das expectativas dos agentes econômicos, “se o plano econômico do governo for materializado”, ou seja, se não for desidratado. Sobre o plano de governo estava se referindo tanto às reformas que já haviam aprovadas, caso do novo marco fiscal, da tributária, e do pacote mal ajambrado de corte dos gastos, visto com forte desconfiança pelo mercado, combinado com a promessa de que novos ajustes serão feitos nas contas públicas, caso necessário para tranquilizar os investidores.
Não há, até onde a vista alcança, motivos para justificar a fala otimista do ministro de que a população em geral poderá ser premiada com a entrada de filé mignon em sua mesa até 2026. Isso por uma série de razões.
Em primeiro lugar, porque o crescimento médio de 3% em 2023 e 2024 apoiou-se principalmente no consumo, fortalecido pelo aumento dos gastos públicos e pelos maiores ganhos obtidos pelos trabalhadores com o aquecimento do mercado de trabalho e com as novas regras salariais para o reajuste do salário mínimo, juntamente com os ganhos obtidos pelos beneficiários de recursos públicos, à medida que estes foram ampliados, o que não deve mais ocorrer diante das pressões do mercado para o cumprimento das metas estabelecidas no arcabouço fiscal. Pelo contrário, ambos devem ser reduzidos com o pacote fiscal aprovado. Em segundo, porque, enquanto não for feito um ajuste fiscal convincente para o mercado, as principais variáveis macroeconômicas, os juros, o câmbio e a inflação, devem continuar provocando turbulência e sobressaltos na economia, prejudicando o crescimento. Em terceiro, porque o cenário externo continua sombrio, sem perspectivas para injetar forças na economia brasileira, com a economia chinesa em desaceleração, a da Europa praticamente em estagnação, e a dos Estados Unidos ameaçada com a retomada de uma inflação mais forte com a política econômica trumpista anunciada, o que pode levar à reversão ou descontinuidade da política de redução de suas taxas de juros.
A favor do crescimento é necessário considerar a maior flexibilidade atribuída à autoridade monetária para administrar a taxa de juros com a mudança introduzida no sistema de meta da inflação, cuja avaliação passará a ser feita pelo sistema de “meta contínua” em substituição ao que vigorou até 2024 chamado de “ano-calendário”, que considera a inflação acumulada de janeiro a dezembro. Neste novo sistema, a autoridade monetária vai avaliando se a meta está dentro do que foi estabelecido para ir fazendo os ajustes necessários, mas sem a pressão de que isso deva acontecer dentro do ano.
Para os anos de 2025-2027, a meta inflacionária continua mantida em 3%, com margem de tolerância de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo. Mas só será considerada descumprida quando a inflação acumulada em 12 meses se desviar por 6 meses consecutivos da faixa do respectivo intervalo de tolerância, ou seja, de 1,5 a 4,5%. Isso significa que o Banco Central terá de olhar permanentemente para a meta e não mais para o resultado do fim do ano, com maior flexibilidade, portanto, para fazer os ajustes necessários na política monetária.
O maior problema é que a taxa Selic já iniciou o ano em um nível bastante elevado, de 12,25%, e o Banco Central já sinalizou que deve promover mais dois reajustes nas próximas reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom) de 1 ponto percentual cada vez, aumentando-a para 14,25%. O resultado dessa medida será o de retirar mais fôlego do investimento e do consumo e, consequentemente, do crescimento. A justificativa para essa elevação, de acordo com o Banco Central, é a de se encontrarem desancoradas as expectativas inflacionárias, com a inflação projetada de 4,99% para 2025, acima do intervalo de tolerância, e de 4,03% para 2026 e de 3,9% para 2027, ambas acima da meta de 3%.
Haddad ainda conta, de acordo com os argumentos utilizados em sua fala para justificar esse otimismo, com os efeitos que poderão ser gerados para o Brasil com a conclusão do acordo do Mercosul com a União Europeia. Mas, não se pode desconsiderar, que os resultados desse acordo ainda não são claros, porque, de um lado, muito chão ainda precisa de ser percorrido para que ele se efetive, e, de outro, porque o futuro da economia europeia, ainda premida pelo fantasma de do processo de estagnação/recessão, continua incerto.
Em sentido contrário, são vários os fatores que jogam contra esse otimismo: o câmbio elevado, a inflação e os juros mais altos, a necessidade de maior contenção dos gastos públicos, o risco fiscal diante do ajuste mal ajambrado dos gastos públicos. Por isso, se se conseguir garantir, no final de 2026, que a carne de segunda visite a mesa do trabalhador brasileiro já será um grande feito.
* Doutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Econômica e do Grupo de Estudos de Conjuntura da UFES (ES), articulista do Debates em Rede, e autor, entre outros, do livro “Nascimento, auge e declínio do Estado e da democracia”, publicado pela Editora Letra Capital em 2024.
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