Fabrício Augusto de Oliveira*
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, apresentou, no dia 20 de janeiro, ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, os objetivos da agenda econômica para os anos de 2025 e 2026, últimos anos de seu mandato. As prioridades definidas pela pasta são retratadas em três eixos: i) a estabilidade macroeconômica (política fiscal e justiça tributária); ii) melhoria no ambiente de negócios; e iii) plano de transformação ecológica. Muitos dos projetos que estão incluídos nestes três eixos não representam nenhuma novidade e já se encontravam no radar do governo por ocasião das discussões sobre o pacote de ajuste fiscal apresentado em dezembro de 2024 e que acabou sendo aprovado pelo Congresso, mas desidratado, tendo sido também transferido, para 2025, a discussão de várias questões, entre as quais o aumento do limite da isenção do imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil e o aumento deste imposto para os milionários. Por se tratar de uma agenda que norteará os rumos da política econômica nos próximos dois anos, é importante avaliar o que se pode esperar dessa proposta para a economia.
No primeiro eixo, o da estabilidade macroeconômica, a ênfase é dada ao fortalecimento do arcabouço fiscal, o que significa dedicar prioridade à melhoria das contas públicas por se entender ser necessário um ajuste fiscal confiável para que os investimentos retornem à economia, contribuindo para a expansão do PIB, gerando mais empregos e, de quebra, contribuindo para manter a estabilidade da dívida pública, colocar um freio à inflação com a melhoria das expectativas dos agentes econômicos.
Algumas medidas constam deste cardápio, mas é certo que não terão grande importância no curto prazo para o crescimento econômico, já que levarão tempo para entraram plenamente em vigor. É o caso, por exemplo, do início da implantação da reforma tributária sobre o consumo e a conclusão de sua regulamentação, sistema que só deverá entrar plenamente em vigor em 1933. Outras, voltadas para ajustar as contas do governo, ainda devem continuar sofrendo resistência dos setores com elas atingidos, caso da limitação dos supersalários do funcionalismo e da reforma da previdência dos militares, não havendo, portanto, nenhuma garantia de sua aprovação. Já a mais polêmica, a de isenção do imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil, combinada com a tributação sobre os milionários, continua gerando dúvida sobre os seus resultados para o ajuste fiscal pretendido, além, também, de não ter nenhuma garantia de vir a ser aprovada.
Como se percebe, à exceção do aumento do limite do imposto de renda para os rendimentos de até cinco mil reais e a taxação dos milionários, que podem nem ser aprovados, as demais medidas deste bloco tratam quase exclusivamente do ajuste fiscal, o que é o mais claro indicador do esponsal contraído entre a política econômica e a crença ortodoxa de que a austeridade representa o passaporte seguro para trazer de volta os investimentos, assegurando o crescimento econômico e a estabilidade monetária.
No segundo eixo, o da melhoria no ambiente de negócios, algumas medidas podem ajudar e dar um empurrãozinho no crescimento, mas outras parecem ter sido incluídas nessas diretrizes apenas para agradar ao mercado. É o caso, por exemplo, do fortalecimento da proteção aos investidores no mercado de capitais, da consolidação legal das infraestruturas no mercado financeiro e da resolução bancária. Enquanto as duas primeiras tratam de ampliar a proteção a investidores e reduzir os custos de intermediação financeira, visando aumentar a confiança do investidor neste processo, a terceira visa mudar a forma de atuação do Banco Central no caso de as instituições financeiras entrarem em crise, tornando-a mais funcional.
Entre as que podem dar algum alento ao crescimento, destacam-se a revisão da Lei de Falências, visando simplificar e dar maior segurança jurídica à falência e aumentar o poder decisório dos credores no processo, com mudanças, por exemplo, na determinação dos créditos trabalhistas, que perderiam a condição prioritária e automática de pagamento; as mudanças no mercado de crédito, agilizando a cobrança de valores determinados pela justiça, estendendo a garantia do FGTS para os empréstimos consignados no setor privado; a integração das garantias para um único sistema para facilitar a concessão de empréstimos pelas instituições financeiras e baratear o custo do dinheiro; a regulamentação das big techs para disciplinar suas atividades e, ao mesmo tempo, aumentar a capacidade de arrecadação tributária do Estado; e a modernização do regime de concessão e permissão de prestação de serviços públicos e das parcerias público-privadas (PPPs), com o objetivo de mudar regras para garantir o reequilíbrio emergencial dos contratos, criar espaços para que os aportes de recursos públicos possam ser feitos com o compartilhamento de riscos entre o setor público e o privado e, também, para que as empresas possam interromper os serviços e rescindir contratos m situações de não pagamento pelo poder público.
Duas outras medidas visam apenas dar maior liberdade, de um lado, para que os laboratórios farmacêuticos possam corrigir seus preços em caráter extraordinário, caso estes estejam abaixo ou acima da realidade, e, de outro, permitir aos beneficiários do programa pé de meia aplicar os recursos em poupança ou títulos do Tesouro.
No terceiro bloco, o do plano de transformação ecológica, são contempladas algumas iniciativas voltadas para o avanço na implementação do mercado de carbono (governança e decreto regulador); a emissão de títulos sustentáveis, visando obter maiores recursos para alimentar o fundo clima; a estruturação do Fundo Internacional de Florestas; e o aprimoramento dos critérios de sustentabilidade nos Planos Safra e Renovagro. Complementam essa iniciativa, novos leilões do Eco-invest, com o qual se pretende promover um novo modelo econômico mais inclusivo e sustentável para alavancar recursos para projetos de transformação ecológica; a conclusão da taxonomia sustentável brasileira para identificar e classificar atividades, ativos e/ou categorias de projetos que contribuem para objetivos climáticos, ambientais e/ou sociais, por meio de critérios específicos; compras públicas priorizando produtos com conteúdo nacional comprometidos com a mudança climática; conclusão do mapa e investimentos sustentáveis na Plataforma de investimentos para a transformação ecológica no Brasil; e as diretrizes de política de atração de data center e marco legal da inteligência artificial (IA) para defender a soberania nacional, atualizar tecnologicamente o país neste campo e estabelecer práticas sustentáveis do ponto de vista ambiental.
Se isso é tudo o que a política econômica consegue propor para os dois anos que restam para encerrar o mandato do governo Lula, não se pode esperar resultados mais favoráveis na economia, nem em termos de seu desempenho nem de sua modernização industrial. Políticas de austeridade como são contempladas nessas metas combinadas com pequenas reformas microeconômicas e com medidas de proteção ambiental não parecem suficientes para incentivar níveis de investimento capazes de romper o atraso tecnológico do país e conduzi-lo a uma trajetória sustentável de crescimento. Mesmo considerando que, se aprovadas, as propostas de aumento da isenção do IR para quem ganha até R$ 5 mil e a taxação dos milionários podem dar força ao consumo das famílias, mas ante uma estrutura de oferta congelada dada a fraqueza dos investimentos, que certamente será ainda mais prejudicada pelo movimento altista da taxa de juros na economia no ano para combater a inflação. Não bastasse isso, dado o poder destrutivo das políticas de austeridade, o resultado pode ser contrário ao que se pretende.
*Doutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Social e do Grupo de Estudos de Conjuntura da UFES (ES), articulista do Debates em Rede, e autor, entre outros, do livro “A economia política clássica: a construção da economia como ciência”, publicado pela Editora Contracorrente, em 2023
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