Por Fabrício Augusto de Oliveira*
Enquanto a sociedade gasta forças na luta pelas questões identitárias, um dos maiores problemas do capitalismo – se não o maior -, as desigualdades econômicas, tema ao qual tem se deixado de dar a devida atenção, avança célere, concentrando a maior parte da riqueza e da apropriação da renda gerada em algumas poucas mãos. Não que a primeira não seja importante para incluir as minorias entre os que merecem respeito e proteção de seus direitos, especialmente numa sociedade democrática, mas a praticamente exclusão da luta contra as desigualdades existentes, que se encontram, em boa medida, também na base da marginalização desses grupos, torna bem mais difícil que aquelas iniciativas sejam plenamente bem-sucedidas.
De acordo com o relatório da Oxfam publicado em 20 de janeiro deste ano, antes do início do Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, a riqueza dos bilionários em 2024 cresceu 2 trilhões de dólares, fazendo com que o patrimônio deste grupo atingisse 15 trilhões de dólares, uma velocidade de acúmulo de recursos três vezes maior do que a registrada em 2023. A previsão dessa organização é a de que o primeiro trilionário deve surgir na próxima década, sendo o mais rico, na atualidade, o megaempresário Elon Musk, dono da Tesla e do X (antigo Twitter), com 400 bilhões de dólares.
Para se ter uma ideia do que representa esse patrimônio de 15 trilhões de dólares desses bilionários, basta dizer que ele só é inferior ao PIB anual dos Estados, de R$ 29 trilhões, e ao da China, de US$ 18,3 trilhões, mas superior aos dos demais países, como o da Alemanha, que ocupa o terceiro lugar neste ranking, com um PIB de US$ 4,71 trilhões, o do Japão, de US$ 4,07 trilhões, e o da Índia, de US$ 3,89 trilhões.
Para a revista Forbes, que se dedica a acompanhar a vida financeira desses bilionários e, periodicamente, publicar seu ranking, o número destes, com fortuna superior a 1 bilhão de dólares, chegou a 2.781 privilegiados em 2024, com patrimônio conjunto estimado em US$ 14,2 trilhões. Para a Oxfam, uma média de quatro pessoas a cada semana se tornaram bilionárias em 2024 e, sua previsão é a de que, dentro de mais uma década, existirão pelo menos cinco trilionários em todo o mundo, dada a velocidade do crescimento de sua riqueza nos últimos anos.
Como o estoque de riqueza condiciona e determina a apropriação da renda, este quadro só tende a se agravar no tempo, com a mesma sendo crescentemente transferida para esses poucos privilegiados do sistema, considerando que o Estado, além de não se dispor a taxá-los adequadamente para extrair recursos que deveriam ser destinados para reduzir a desigualdade, ainda implementa políticas econômicas e sociais que os favorecem, dada o poder e a capacidade deste grupo de influenciá-las e moldá-las de acordo com o seu interesse. O que termina aumentando, logicamente, ainda mais, os seus ganhos.
Enquanto isso, de acordo com o relatório da Oxfam, 44% da humanidade (3,5 bilhões de pessoas) vivem com menos de 6,85 dólares (ou, em moeda brasileira, com 41,5 reais) por dia, com taxas elevadas da pobreza global que só tendem a aumentar neste quadro. Mantida essa trajetória, parte significativa da população do mundo corre o risco de ser dizimada por absoluta falta de condições de acesso ao mercado de bens e serviços. O que pouco importa para o sistema por se tratarem de pessoas, digamos, inúteis, que, além de dependerem de recursos do governo para sobreviver, não são consumidores, não contribuindo, assim, para o sistema. Pelo contrário.
A eleição de Donald Trump para presidente dos Estados Unidos deve fortalecer ainda mais o pequeno grupo de bilionários. Inimigo de impostos para os ricos e avesso a todo tipo de regulamentação pelo Estado, Trump não somente prometeu cortar impostos principalmente para os endinheirados, como avançar na desregulamentação principalmente das empresas de tecnologia, visando restaurar a “liberdade de expressão” no mundo, tendo recebido apoio e sido financiado pelos principais dono das big techs americanas, como Elon Musk, Jeff Bezos e Mark Zuckerberg, não sendo nenhum exagero dizer que foi comprado pelo primeiro, provavelmente o mais ganancioso por dinheiro, que despejou uma fortuna de US$ 200 milhões em sua campanha.
Trump representa, neste cenário, a certeza de que os ricos irão se tornar crescentemente mais ricos com a implementação de políticas antidemocráticas e antisolidárias, provocando novos retrocessos no tortuoso avanço da sociedade rumo à civilização. Para a humanidade, a certeza de que continuará trilhando o caminho que a está conduzindo ao naufrágio.
* Doutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Social e do Grupo de Estudos de Conjuntura da UFES (ES), articulista do Debates em Rede, e autor, entre outros, do livro “Nascimento, auge e declínio do Estado e da democracia: para onde vai a sociedade?”, publicado pela Editora Letra Capital, em 2024.