Por Ester Abreu Vieira de Oliveira*
Quantas vezes ouvimos de alguém, dirigindo-se a outro ou a nós mesmos, dizendo: “você é burro(a)”, para identificá-lo(a) como uma pessoa não inteligente e incapaz.
Não se aborreça com essa alcunha, pois a referência é a de um animal benéfico, inteligente, de fácil manejo e vida longa, e resultante de cruzamento de jumento com égua, ou de cavalo com uma jumenta.
Esses animais híbridos (os muares: a mula e o burro) têm, também, segundo a região no Brasil, outros nomes: mulo, mu, besta, burro, macho, jerico, são alguns deles. Usados para o trabalho de tração, para a lida com o gado ou para cavalgadas, os muares exerceram grande importância na história de vários países de topografia difícil, e no Brasil, cuja superfície é caracterizada por diversos acidentes, eles foram imprescindíveis. Pelo papel que exerceram no progresso do país, esses animais nunca poderão ser esquecidos, porque graças ao trabalho de burros e mulas, o Brasil (e sem dúvida o Espírito Santo), se desenvolveu. Por sua natureza resistente, auxiliou nas regiões montanhosas nas lavouras, no transporte de alimentos, de correspondências, enfim, levando de um local a outro, mercadoria as mais diversas, além de transportar o próprio ser humano em ambiente seja plano e lamacento, seja íngreme e pedregoso. Participa ainda de festejos e disputas nas animadas festas do interior
Alcunhar alguém de “burro” pretendendo ofendê-lo por julgá-lo dotado de pouca inteligência não corresponde à verdade, pois inteligência é uma das características principais dos muares, que são invencíveis e eficazes no transporte tanto de carga como no de seus cavaleiros em trilhas sinuosas, pedregosas, íngremes e montanhosas. Esses animais têm a percepção aguçada, e procedem de uma maneira que não deixam que se coloque o cavaleiro em situação de risco, uma vez que apresentam pouca reação a barulhos ou a qualquer situação que poderia causar sustos.
Sem dúvida, os muares exerceram grande importância na história de vários países de topografia difícil, mas imprescindíveis foram no Brasil. Contudo, hoje, uma mula chega a ser um animal de estimação, até mesmo um hobby. Assim, pelo papel que exerceram no progresso do país, nunca poderão ser esquecidos esses animais, porque graças ao trabalho de burros e mulas, o Brasil (e sem dúvida o Espírito Santo), se desenvolveu, pois não só, por sua natureza resistente, auxiliando nas regiões montanhosas nas lavouras nos transportes de café, alimentos, correspondências, em fim, levando diversas mercadorias, além do transporte do próprio homem em ambiente seja plano lamacento, ou íngreme e pedregoso. E, nada corresponde a ser acunhado de “burro”, como de um ser de pouca inteligência. Pois inteligência é uma das características principais dos muares, que são invencíveis e eficazes no transporte seja de carga como a de seus cavaleiros em trilhas sinuosas, pedregosas, íngremes e montanhosas. Esses animais têm a percepção aguçada, e procedem de uma maneira que não deixam que se coloque o cavaleiro em situação de risco, pois, inclusive, apresentam pouca reação a sustos ou a barulhos. Exemplo disso sei de meu avô que, cavalgando à noite no interior de Minas, o prudente animal parou e não quis proceder. O obstáculo era na floresta ter um caixão iluminado obstruindo a estrada. Pela manhã, graças à mula em que cavalgava, pois os muares não têm reações afoitas, características que aliadas à disciplina e obediência, fazem deles companheiros ideais em longos percursos. tudo ficou resolvido: era uma palmeira caída e com fogo-fátuo.
Por fim, os muares, sejam eles burros, jumentos, mulas ou bestas, sejam eles lerdos, prudentes, seguros, pacientes, incansáveis, prestaram serviços ao homem e desde tempos remotos. Inclusive são referidos na Bíblia em momentos vitais como quando os pais de Jesus saíram de Belém para o Egito para protegerem seu filho da fúria do rei Herodes e o momento em que Jesus, entrou triunfante montado em um jumento em Jerusalém.
Retrocedendo a um tempo de minha vivência, precisamente em Muqui, local de minha entrada neste mundo, lembro que apreciei muitas tropas passarem e ver que nos armazéns de secos e molhados elas deixavam suas cargas. Inclusive meu pai tinha uma pequena tropa que Tiolhim, um descende de puris, cuidava e a cujos integrantes dava nome. Ela servia para o transporte das produções de café, milho, arroz, feijão de minha família e eram alugadas para os sitiantes e fazendeiros vizinhos, que possuíam terras férteis, mas montanhosas, sendo necessário, portanto, contar com o apoio de uma tropa.
Eu apreciava ver passar cavalgando numa majestosa mula marrom o Sr Gaspar e o tio César, numa cinza. Endurecia-me o corpo de medo durante a Semana Santa quando Dona Maria dizia que a mula sem cabeça passava correndo num toc, toc, toc..., com os olhos em brasas, pedindo proteção porque tinha sido a mulher do padre. Ouvia, tremendo, as histórias de seu Mino, o tropeiro do tio César, que falava de suas viagens pelo interior; seja procurando os animais que pela madrugada o Saci Pererê havia espantado e feito coque nos rabos e trança nas crinas e assobiado profundamente como se fosse uma risada pela travessura. Ou, também as histórias dos enterros e cantos que ele ouvia na estrada e sumiam na curva. Também ouvia dizer que no Rio de Janeiro no Palácio, em Laranjeiras, tinha uma mula que predizia o futuro. Perguntada até quando Getúlio seria o presidente do país, ela batia, batia, batia as patas e se deitava para dizer até a morte. (fato que aconteceu, muito tempo depois...) Ter uma ferradura de um muar na porta era sinal de sorte. Por isso eu ainda tenho uma.... Tenho sorte?? Acho que sim. Se você chegou até aqui lendo o que escrevo a sorte minha é esta.
Em fim, para saber sobre os benefícios que os muares oferecem aos homens e auxiliaram aos homens e a nosso país no seu crescimento e sobretudo em nosso estado nada melhor que ler a obra Por serra e vale do Espírito Santo – A epopéia das tropas e dos tropeiros (Vitória (ES), IHGES, 1989,123 p, ), de Ormando Moraes, segundo ocupante da cadeira 31 na AEL, cujo patrono é Orlando da Silva Rosa Bomfim.
Nessa obra Ormando apresenta com fotos e desenhos a vida, a utilidade das tropas no transporte, a linguagem e a literatura folclórica envolvendo a vida dos tropeiros e o texto de outro acadêmico: Aylton Rocha Bermudês sobre o porquê de o asno na Península Ibérica passar a ser chamado de burro. Também ele resume a importância deles:
Seja burro, mula ou besta, os muares sempre foram e ainda são de extrema utilidade ao homem, para o transporte de carga em larga escala, agrupados nas tropas, para puxar carroças nas áreas urbanas mias modestas para puxar bondes antes de eletricidade, para montaria nos íngremes e difíceis caminhos de velhos tempos e, hoje , para o transporte interno nas fazendas de terras muito acidentadas. (p. 23)
O autor explica em sua obra como viviam os tropeiros e como se organizava uma tropa, pois os animais tinham suas posições de acordo com o seu posto. Na frente vinha a mula guia e, a seguir, a contra guia. Em geral, a guia era uma besta ou mula, e leva enfeites na cabeça e um peitoral com cincerros. Era considerada a madrinha da tropa e tinha um nome. Servia para chamar, agilizar a caminhada ou a saída da tropa. Nas p. 83-85 se encontra o largo poema MADRINHA DA TROPA, de Elmo Elton, outro acadêmico da AEL: “Lá vem, num galope,/ madrinha da tropa./ Vem toda enfeitada/ de fitas vermelhas,/ douradas e roxas; / Vem toda bonita./ com arreios de prata,/ madrinha da tropa! [...],
Os tropeiros em suas viagens levavam cargas e encomendas, quando partiam ou quando voltavam. Na tropa um animal (em geral uma besta) transportava o material de cozinha panelas, coador pratos, bule, talheres, feijão, toucinho, arroz, carne seca, sal e rapadura. Esses homens cozinhavam numa trempe feita com três paus erguidos e unidos em ângulos retos. Na ponta penduravam a panela para fazer o mexido.
Ormando Moraes é natural de Vitória (ES) (4/10/1915- 10/10/2003), escritor, jornalista, professor, administrador e bacharel em direito. Funcionário do Banco do Brasil durante 30 anos, ali ocupando diversos cargos de direção, fundador do jornal A Época, em Cachoeiro de Itapemirim, tendo editado, com Newton Braga, algumas revistas sobre municípios do sul do Espírito Santo. Também com Newton Braga, dirigiu a Rádio Cachoeiro de Itapemirim, em 1955/56, e lá onde se fez o Galo Publicidade, primeira empresa do ramo no Espírito Santo. Pertence também à Academia Cachoeirense de Letras, a National Geografic Society e ao Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo. Publicou: Caderno de crônicas, Cachoeiro de Itapemirim, Tipografia Vitória, 1967, inspirado pela chegada dos progressistas da revolução de 1930 em Cachoeiro; Não fica bem a Revolução chegar a pé, crônicas e relatos, Vitória, Fundação Ceciliano Abel de Almeida, 1979; Da Itália ao Brasil história de uma família Imigração, 1981; Seu Manduca e outros mais, romance, Vitória, Departamento de Imprensa Oficial, 1986; Poemas íntimos, Vitória 1990.
*Professora Emérita da Ufes, escritora
Fonte biográfica ael.org.br.
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