Por Fabrício Augusto de Oliveira*
De acordo com a visão da teoria econômica dominante, existe crescimento sustentável e crescimento insustentável. Para ser sustentável, o crescimento deve se apoiar em bases sólidas, capazes de proteger a economia das inevitáveis fricções que ocorrem durante o processo de desenvolvimento, não raro provocando seu aborto. Isso significa que se deve contar com uma estrutura de oferta que seja capaz de responder à demanda, com uma infraestrutura adequada para não ocorrer gargalos ao aumento da produção, um mercado de trabalho apto a atender essa expansão, com um governo com contas públicas saudáveis e com expectativas favoráveis dos empresários sobre o futuro da economia para realizar os investimentos necessários para que este processo possa seguir seu curso mais suavemente, garantindo que a demanda adicional dele resultante possa ser atendida. São essas variáveis que determinam o produto potencial de uma economia.
Quando essas condições, ou algumas dessas condições, não se verificam, torna-se inevitável o surgimento de pressões inflacionárias e de vazamento de seus frutos para o exterior, com o crescimento tendo de ser contido, tornando-se, assim, insustentável. Neste caso, quando o crescimento efetivo do PIB supera o produto potencial da economia, essas fricções surgem, abortando o processo. Para a OCDE, o produto potencial da economia brasileira se situa em torno de 1,5% a 1,8%. De acordo com as ordens do capital, quando isso ocorre torna-se necessário elevar as taxas de juros independentemente de a inflação ter origem em outras causas que não seja o excesso de demanda.
Desde que James Carville, estrategista de Bill Clinton na eleição presidencial dos Estados Unidos, de 1992, cunhou a frase “É a economia, estúpido”, com o objetivo de ressaltar a importância do desempenho da economia para o eleitor, ela se tornou uma espécie de guia para orientar as campanhas dos candidatos a presidente em vários países. Dela lançam mão candidatos defendendo como prioridade o crescimento, especialmente em cenários marcados pela recessão, denunciando a falta de compromisso do governo com essa meta. Ou de governos, no caso de reeleição, que brandem seus dados nessa frente para angariar votos do eleitor. Tornou-se, assim, um mantra de que se valem governantes e candidatos à eleição para conquistar esse apoio.
Embora desejável, a obsessão pelo crescimento econômico pode representar, contudo, um tiro no pé, caso ele ocorra de forma artificial, provocando fortes fricções no aparelho econômico, de acordo com essa visão predominante. Sem antes remover as pedras que obstam seu avanço, não há como escapar dessa situação. A mera expansão do produto interno bruto (PIB) e do emprego não é capaz, por si, de produzir felicidade se não vier acompanhada, por exemplo, de uma estabilidade dos preços, da confiança do empresário no futuro da economia e na condução da política econômica, e também da própria capacidade do governo de garantir o equilíbrio de suas contas, especialmente em países que aderiram ao receituário ortodoxo da teoria econômica. Na ausência dessas condições, parte dos ganhos da expansão econômica podem vazar para o exterior e a inflação corroer uma outra ou uma parte ainda maior.
Governos em busca de popularidade tendem a desrespeitar as regras do capital, para recuperar o seu prestígio e o seu capital político, em países nos quais os governantes prometem, para se eleger, cumpri-las. Geralmente, tendem a justificar este objetivo com as lições keynesianas. Mas deve-se reconhecer que Keynes, quando defendeu políticas dessa natureza e demonstrou a importância da demanda efetiva, nas quais se incluem os gastos públicos, para reativar a economia, mirava um cenário de depressão, com empresas e máquinas paradas e trabalhadores desocupados. Nesse caso, o gasto poderia ser visto como uma injeção na veia da atividade econômica, ou como gostam de afirmar seus defensores, como “vida”, com o governo contribuindo para retirá-la do limbo em que se encontrava. Em outro cenário de maior atividade econômica e menor nível de desemprego, condenava essa política pelas pressões inflacionárias que a mesma poderia desencadear diante de uma estrutura de oferta limitada.
Desconsiderando 2020 e 2021, anos marcados pela queda, seguida de uma maior recuperação do PIB, devido à pandemia e à decretação de seu término, o Brasil cresceu, em média, entre 2022 e 2024, 3,1%, e 3,25% entre 2023 e 2024, uma taxa bem acima do potencial da economia brasileira. Este crescimento teve, no entanto, como carro-chefe, o consumo das famílias, que cresceu 4% na média anual, enquanto os investimentos permaneceram praticamente estagnados em torno de 17% do PIB na média dos últimos três anos.
A força do consumo dos famílias tem sido mantida por uma conjunção de fatores que vão desde a chamada PEC de transição (Emenda Constitucional 126, de 21/12/2022), que autorizou o Executivo a gastar R$ 145 bilhões fora do teto de gastos de 2023, à melhoria nas regras de correção do salário mínimo e na expansão de outras políticas sociais que obrigaram o governo, inclusive, a ter de rever as metas do arcabouço fiscal aprovado em 2023, e ao forte aquecimento do mercado de trabalho que ocorreu com este desempenho, com o emprego caindo de 7,9% para 6,2% entre dezembro de 2022 e dezembro de 2024. Nada disso ocorreu, no entanto, sem despertar suspeitas, e até mesmo a certeza, entre os representantes do capital de que o governo estaria agindo para desrespeitar as suas ordens no campo fiscal, com a trajetória da dívida pública em ascensão, o que ajudou a atiçar as expectativas inflacionárias diante dessa situação.
Deve-se lembrar que, no entanto, que a inflação se tornou um problema mundial, e não apenas do Brasil, devido à pandemia, que desestruturou as cadeias de produção e comercialização, obrigando os países por ela atingidos a implementarem políticas restritivas, por meio do aumento das taxas de juros, para fazê-la retornar à meta estabelecida, situação da qual o Brasil não escapou. Todavia, segundo a ortodoxia, enquanto a maioria dos países procurou conciliar o grau de arrocho monetário com um crescimento mínimo, o Brasil, segundo essa visão, tem se lançado açodadamente, especialmente a partir de 2023, a impulsionar o crescimento, por meio dos gastos públicos para garantir o crescimento, provocando tensões inflacionárias e aumento preocupante da dívida pública. Além disso, mais recentemente a política econômica do governo de Donald Trump dos Estados tem contribuído para alimentar o temor de novos impactos no processo inflacionário mundial e, mais preocupante, de produzir uma forte recessão, o que tem levado a maioria dos países a rever sua política de afrouxamento monetário.
Comparado à situação fiscal de outros países, não se pode afirmar que o Brasil esteja numa posição ruim no campo fiscal. Além de ter conseguido cumprir a meta do arcabouço fiscal em 2024, o estoque de sua dívida atingiu 85% do PIB neste ano, no conceito do FMI, e de 79%, no do Banco Central, enquanto, só como exemplo, o dos Estados Unidos atingiu 122% do PIB, o da Itália 137%, o da França 110% e o do Japão, por motivos específicos, 252%. Mas o argumento empregado pelo mercado é o de que, além do Brasil ser uma economia emergente e, portanto, com menor capacidade para enfrentar desequilíbrios fiscais, a “gastança” do governo Lula para garantir o crescimento, tem garantido para ela uma trajetória de permanente crescimento. O resultado de tudo isso tem levado à exacerbação das pressões inflacionárias, com o país tendo de elevar consideravelmente as taxas de juros para combatê-la, visando compensar os gastos excessivos do Poder Executivo que caminha na direção contrária.
Disso decorre que, com a inflação em alta no Brasil, em boa medida devido a outras causas, e sem dar mostras de arrefecer pelo menos no curto e médio prazo, o Brasil terá de optar entre seguir as ordens do capital e afastar o risco fiscal, ou prosseguir na trajetória atual para garantir maior crescimento, alimentando, nessa visão torta da teoria econômica, a inflação, o que pode gerar maiores perdas para um governo que procura recuperar seus índices de popularidade. Este, o dilema do governo, que tem insistido no crescimento como meio para melhorar as suas perspectivas de reeleição, em sentido contrário às ordens do capital, mas sem modificar o modelo econômico. Aí é que está o busílis.
*Doutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Social e do Grupo de Estudos de
Conjuntura da UFES, articulista do Debates em Rede, e autor, entre outros, do livro “A Economia Política clássica: a construção da economia como ciência”, pulicado pela Editora Contracorrente, em 2023.
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