Profa. Ester Abreu Vieira de Oliveira*
O poeta sonha e no sonho encontra sua realização e sua sublimação. A sua fala é a poesia que diz alguma coisa a respeito de todos os sentimentos humanos, ou seja, angústias, solidão, melancolia, alienação, tristeza, entre outras emoções.
Mas, impossibilitado de expressar, muitas vezes, o poeta utiliza aspectos metafóricos, e a metalinguagem. Além desses recursos ele pode utilizar o paradoxo, e a contraposição de sentido, entre outros que a linguagem oferece.
Para Michel Riffaterre (1989), “o texto é uma obra de arte, quando se impõe ao leitor e lhe suscita reações”. Estas ocorrem quando o leitor procura compreender o que lê e, nesta busca, faz uma nova recriação da obra, pois a sua escrita possui vontade significativa de autoria. E, quando o texto é um poema e na sua essência residem as mais íntimas vozes de sentimento, suscitadas pela circunstância, a criação, por seu mistério, estimula o leitor a desvendar o lado oculto e a página “relida e amada diz respeito ao leitor”. (BACHELARD, 1989, p. 10).
Logo, simpatizar ou identificar com um texto é admirá-lo e esse entusiasmo é necessário para obter o benefício fenomenológico de uma imagem poética.
A descoberta é o delírio, inspirado pelas Musas, que “transporta [a alma] para um mundo novo e inspira-lhe odes e outros poemas [...]”, segundo Sócrates (s/d), em seu diálogo com Fedro, essa revelação é a identificação com o duende do qual García Lorca explica que é um poder misterioso que vem de dentro, “que todos sentem e que nenhum filósofo explica”
Quanto à uma musa inspiradora do poeta, segundo Federico Garcia Lorca, ela pouco vale. Ela dita ou sopra. Os poetas de musas ouvem vozes e são elas que os alimentam. Ela desperta a inteligência, que muitas vezes é inimiga da poesia, e falsos sucessos, porque imita muito e se esquecem de criar metáforas para a representação.
Federico Garcia Lorca, poeta, músico, recitador, desenhista, e dramaturgo espanhol, possuidor de uma obra com traços surrealista, nasceu em cinco de junho de 1898 (faz 120 anos), falecido tragicamente em 18 de agosto de 1936, em sua palestra sobre “Imaginação, inspiração, evasão (Lorca, 1064-5), declara que o poeta tem a missão de animar a alma e a verdade poética muda de acordo com o enunciado. Uma palavra pode ter um significado em um poeta e diferenciar no outro. E a imaginação poética viaja e transforma as coisas ela é a base de toda a poesia.
Na obra lorquiana, as imagens brotam do inconsciente do escritor para atingir, na ambiguidade poética e artística, a sensibilidade do leitor. O antecedente desse procedimento poético se encontra no equívoco do clássico discurso retórico, principalmente na metáfora, na alegoria e na ironia. A ambiguidade artística lorquiana brota de um fundo de atividade positiva individual ou coletiva–histórica e o leitor, numa hipercodificação, procurará deduzir o sentido. Seguem dois fragmentos:
INFANCIA Y MUERTE
Para buscar mi infancia ¡Dios mío!
Comí naranjas podridas, papeles viejos, palomares vacíos
y encontré mi cuerpecito comido por las ratas
en el fondo del aljibe con las cabelleras de los locos.
Mi traje de marinero
no estaba empapado con el aceite de las ballenas
pero tenía la eternidad vulnerable de las fotografías.
(LORCA, 1980, p. 294)
CANCION DEL JINETE
Es la luna negra
De los bandoleros,
Cantan las espuelas.
Caballito, negro.
Dónde llevas tu jinete muerto?[…] (LORCA, 1980p. 307) Canção do cavaleiro
Assim, ainda que as idéias pareçam ilógicas pelo conteúdo simbólico (“comer pombais vazios”, “lua cantar esporas”, por exemplo) o fato de Lorca reunir palavras do cotidiano e dar a elas valores significativos presos à cultura geral e hispânica, a imagem visada adquire o poder de sugerir o imprevisível, o desconhecido, de uma maneira tal que o leitor atento pode desvendar. Contudo, é esta falta ou excesso de dizer que a crítica literária procura revelar. E onde, aparentemente falta um signo, este pode ser a própria linguagem:
[...] e a expressão não consiste em que haja um elemento da linguagem para se ajustar a cada elemento de sentido, mas sim na influência da linguagem sobre a linguagem, que de súbito, muda na direção de seu sentido. A fala não significa substituir cada pensamento por uma palavra: se o fizéssemos, nada nunca seria dito e não teríamos a sensação de vivermos na linguagem, ficaríamos calados, pois o signo logo seria apagado por um sentido. [...] (MERLEAU-PONTY, apud Luiz Costa Lima, 1979, p. 91.)
Na criação poética o poeta imagina o mundo. Para Lorca “a imaginação é sinônimo de aptidão para o descobrimento. Imaginar é descobrir, levar o nosso pouco de luz à sombra viva onde existem todas as infinitas possibilidades, formas e números. A imaginação fixa e dá vida clara a fragmentos da realidade invisível onde se move o homem”. Mas o poeta é limitado pela imaginação, porque a beleza que vê, ouve ou sente tem que recorrer a palavras, a analogias sem o exato valor e a “imaginação sozinha não chega a essas profundidades”, porque ela é equilibrada, inteligente.
Federico García Lorca mostra, portanto, que imaginação só não basta; e desenvolveu uma teoria estética sobre o processo de criação artística: "O teatro e a teoria do Duende", conferência que pronunciou em 1933, primeiro em Buenos Aires e depois em La Habana. Nessa teoria ele expõe que a grandeza da arte depende de uma manifestação que transporta o artista a uma experiência que se aproxima da morte. Se não houver uma comunicação da essência do mundo, não há “duende”, mas uma mera reprodução de formas, sem emoção. Não existe uma forma precisa para encontrar o duende. Na teoria lorquiana a arte depende de um conhecimento próximo à morte, à conexão com as origens de uma nação e de um reconhecimento das limitações do raciocínio. Nesta revelação surgem “os sons negros, isto é, o mistério”. Eles são as raízes que ferem o nosso interior, isto é, a essência da arte. É um “poder misterioso que todos sentem e que nenhum filósofo explica”.
* Profa. Emérita da Ufes, poeta, ensaísta, contista, tradutora, autora de livros didáticos e infantis, pertencente a entidades culturais.
Referência
BACHELAR, Gaston. El aire y los sueños. México: Fondo de Cultura,1989.
LIMA, Luis Costa ()rg.) A literatura e o leitor. Textos da estética da recepção. Hans Robert Jauss; Wolfgang Iser; Karlheinz Stierle; Hans Ulsich Gumbrect. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
LORCA, F. Obras Completas. Madrid; Aguilar 1980, Tomo 1- (A tradução das citações é nossa)
PLATÃO. Diálogos 1. Mênon. Banquete. Fedro. Tradução por Jorge Paleikat. Rio de Janeiro: Tecnoprint s/d. p. 150-151
RIFFATERRE, Michel. A produção do texto. Tradução de Eliane Filipaldi Pereira Lima de Paiva. São Paulo: Martins Fontes, 1989.
Obras de F. G. Lorca:
Poesia - Livro de Poemas – 1921/ Ode a Salvador Dalí - 1926./ Canciones (1921-24) - 1927./ Romancero gitano (1924-27) - 1928./ Poema del cante jondo (1921-22) - 1931./ Ode a Walt Whitman - 1933. /Canto a Ignacio Sánchez Mejías - 1935./ Seis poemas galegos - 1935./ Primeiras canções (1922) - 1936./ Poeta em Nueva York (1929-30) - 1940./ Divã do Tamarit - 1940./ Sonetos del Amor Oscuro - 1936
Prosa - Impressões e Paisagens – 1918/ Desenhos (publicados em Madri) – 1949/ Cartas aos Amigos - 1950
Teatro - Assim que passarem cinco anos - Lenda do tempo - 1931./ Retábulo de Don Cristóvão e D.Rosita - 1931./ Amores de Dom Perlimplim e Belisa em seu jardim" - 1926. /Mariana Pineda - 1925./ Dona Rosinha, a solteira - 1927. / Bodas de Sangue (Trilogia) - 1933./ Yerma (Trilogia) - 1934./ A Casa de Bernarda Alba (Trilogia) - 1936./ Quimera - 1930./ O Público - 1933./ O sortilégio da mariposa - 1918./ A sapateira prodigiosa - 1930./ Pequeno retábulo de Dom Cristóvão - 1931./ Lola la comediante.