Fabrício Augusto de Oliveira*
No lançamento do Plano Collor, em 1990, uma das dúvidas existente na equipe econômica da época, foi o nível em que deveria ser feito o sequestro dos ativos financeiros do setor privado para reduzir a excessiva liquidez da economia, então identificada como sendo a principal causa de a economia estar à beira de um processo hiperinflacionário. Durante algum tempo, os gestores da política econômica ficaram em dúvida sobre o corte, se de 50 mil ou 100 mil cruzados novos, que deveriam fazer sobre esses ativos para congelar os 80% restantes. Acabou-se decidindo, depois de “aprofundados estudos”, conforme divulgado pelo governo, pelo sequestro dos que excedessem 50 mil cruzados, justificado “tecnicamente” como necessário para aplacar e reverter o fantasma da hiperinflação. Soube-se depois, mesmo que se trate de ironia, que, ao invés de “estudos aprofundados”, a decisão foi tomada pela equipe econômica, apenas jogando uma moeda para o alto: se desse cara seria de 50 mil cruzados novos; se coroa de 100 mil. Como deu cara, os valores dos ativos acima de 50 mil cruzados novos foram sequestrados. Nada de diferente parece ter ocorrido com os cálculos das tarifas adicionais mercantilistas de Trump estabelecidas para os Estados Unidos reverterem os déficits comerciais que têm com vários países do mundo.
Na avaliação do American Enterprise Institute (AEI), um think tank proeminente associado ao neoconservadorismo americano, baseado em Washington, a fórmula tarifária de Trump, além de não fazer sentido econômico, é baseada em um erro. As tarifas iniciais divulgadas foram calculadas considerando o déficit comercial dos Estados Unidos (Exportações – Importações) dividido pelas suas importações de um determinado país, cujo resultado é dividido por dois, ou 10%, a taxa que for maior. No caso da China, por exemplo, o déficit norte-americano foi, em 2024, de US$ 295 bilhões (Exportações de US$ 145 bilhões – Importações de US$ 440 bilhões), o qual, dividido pelo total das importações (US$ 440 bilhões), dá 67%. Percentual que, dividido por dois, resulta em 34%, a tarifa adicional estabelecida para a China, método que foi replicado para outros países.
Para início de conversa, o Instituto condena a consideração do déficit comercial como faz a política de Trump para a fixação das tarifas, já que ignora os benefícios que resultam do comércio internacional e que teriam de ser levados em conta, como os que dizem respeito, por exemplo, às cadeias de suprimentos, às vantagens comparativas do país e, também, importante, aos fluxos internacionais de capitais que afetam este resultado, igualmente desconsiderados nessa política.
Ao estabelecer de forma indiscriminada as tarifas sem considerar importações que são vitais para a economia americana, como, por exemplo, as de componentes essenciais para a fabricação de semicondutores, de componentes e baterias para a fabricação de carros elétricos, de maquinários elétricos, equipamentos de telecomunicações e acessórios digitais, que vêm da China, os Estados Unidos dão um tiro no próprio e abrem a porta para um retorno à década de 1930, marcada por uma forte depressão da economia, mas, dessa vez, com uma inflação em ascensão. Mas não é só.
As tarifas de Trump estabelecidas para os demais países não são também “recíprocas” como por ele alardeado. Ao estabelecer uma tarifa mínima de 10% para todos as importações dos Estados Unidos, mesmo que não registre déficit comercial com um outro país, ainda assim, este será penalizado com essa tarifa adicional, avalia o AEI, como é o caso do Reino Unido e, também, do Brasil.
Mas, mesmo que alguém levasse a sério o tabelão apresentado por Trump para divulgar as novas tarifas adicionais para cada país, se investigasse os critérios e fórmulas adotados para o seu cálculo, perceberia que este contém um erro que as inflaciona – e muito! Como não dispomos da metodologia adotada por sua equipe econômica, acompanhemos a conclusão do estudo do AEI: devido ao erro matemático identificado neste cálculo, que precisariam ser corrigidos, essas teriam sido altamente inflacionadas, em alguns casos, em quatro vezes. Se corrigido esse erro, as mesmas teriam de ser reduzidas em um quarto do que foi anunciado, sendo que a maior taxa não excederia 14% para outro país. É o caso da China, por exemplo, cuja tarifa originalmente fixada em 34% deveria ser de 10% para o AEI.
Além das críticas do AEI, Trump também não levou em conta que parte importante das importações americanas tem como origem a produção de empresas dos Estados Unidos sediadas no exterior, com o objetivo de baratear seus custos de produção, caso, por exemplo, da Tesla, produtora de carros elétricos e de fabricação de baterias, instalada em Xangai, na China, de propriedade do nazista Elon Musk. Com sua política, está, assim, prejudicando a própria economia americana ao erguer um muro para barrar suas exportações. Coisa de estúpido, que nada entende de economia.
* Doutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Social e do Grupo de Estudos de Conjuntura da UFES, articulista do Debates em Rede, e autor, entre outros, do livro “A Economia Política Clássica: a construção da economia como ciência”, publicado pela Editora Contracorrente, em 2023.
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