Por Ester Abreu Vieira de Oliveira*
Ouvindo “Onde anda você”, melodia de Toquinho e letra de Vinicius vieram-me várias lembranças e entre elas a Antologia da saudade de Waldir Vitral, em que o autor resgata obras poéticas de diversas épocas e estilos, conceitos de antropólogos, críticos literários e lexicólogos para tentar chegar ao sentido da saudade.
Waldir Vitral nasceu no município de Alegre, ES, em 28 de junho de 1926, e é o 4º
ocupante da Cadeira 7 da Academia Espírito-santense de Letras, atualmente ocupada pela escritora Renata Bomfim.
Ele se diplomou “em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo, em 1953, exerceu as funções de promotor e de juiz de direito. Sensível aos acontecimentos com os quais tinha que se envolver nos casos que julgava em sua comarca, o autor se valia dos fatos ocorridos, das discussões geradas, e do que se dizia ou escrevia nos processos acumulando dessa experiência farto material que recriou em suas futuras publicações.
Foi o primeiro diretor da Escola de Polícia Civil, atualmente Academia de Polícia Civil, órgão de formação e aperfeiçoamento da Polícia Civil do Espírito Santo. Criou o memorial do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, em 2001. Faleceu em 27 de dezembro de 2012. Produziu farta colaboração na imprensa de seu Estado.
Publicou obra variada, de caráter técnico e de caráter poético, como se pode ver: Manual das falências e concordatas (São Paulo); Sugestões literárias (1974); Manual de Direito Marítimo (São Paulo, 1975); Vocabulário jurídico (Rio de Janeiro: Forense); 1000 perguntas: falências e concordatas (Rio de Janeiro, Ed. Rio, 1982); Antologia da saudade (Rio de Janeiro, Ed. Galo Branco, 1999). Pitorescos (Vitória, UVV, 2002).
Na harmoniosa canção de Toquinho e Vinicius que se inicia por “E por falar em saudade”, o eu poético vai traduzindo a significação da palavra em língua portuguesa e mostra que sente a ausência da amada e recorda os olhos, o corpo e os momentos de prazer quando estiveram juntos e lamenta a vida que se tornou vazia pela falta da amada. E declara a ânsia e o desejo de vê-la, o desejo de que ela de repente aparecesse:
“[...] Hoje eu saio na noite vazia
Numa boemia
sem razão de ser
Na rotina dos bares
Que apesar dos pesares
Me trazem você.
[...]
E por falar em paixão
Em razão de viver
Você bem que podia me aparecer
Nesses mesmos lugares
Na noite, nos bares
Onde anda você?”
A palavra portuguesa soedade, soidade e saudade corresponde à do latim solitates, sentimento muito maior que a palavra melancolia, derivada do latim melancholia, cujo significado se refere à “bílis negra”, o termo que se refere aos quatro humores, apontados pela medicina de Hipócrates de Cós (460-377 a.C.).
Se “saudade”, uma palavra das línguas portuguesa e galega é um sentimento peculiar de luso-gallego, que parece não ter uma tradução equivalente em outras línguas, de demonstração de ausência e distância depois de uma presença, pode-se observar que cada povo tem palavras para expressar seus tais sentimentos, que adquirem, no entanto, conotações diferentes da que a palavra “saudade” tem para os brasileiros e os galegos, pelo menos, é assim que entendemos. E como diz Luigi Pirandello: “Assim é se lhe parece”.
Tomamos para falar do sentido tão próprio da saudade portuguesa a nossa língua irmã quase gêmea, o espanhol: “saudade” não é soledad, nem nostalgia. Saudade é algo mais do que representam essas palavras. É um pouco de tudo.
Um exemplo de significação da palavra saudade pode ser observado no poema
anônimo seguinte:
Saudade é uma dô que dá
Mas não é dô de doê;
É vontade de alembrá,
Com vontade de esquecê.
É dô de dente e machuca,
Mas onde dói ninguém vê.
E a gente pega e catuca
prá não deixá de doê. (WV, p. 59)
Na época medieval a palavra saudade foi usada pelos trovadores galego-portugueses, principalmente nas cantigas de amigo, nos temas do amor e da ausência como canta o rei trovador D. Dinis:
“Que soidade de mha senhor ei,
quando me nembra dela qual a vi
e que me nembra que bem a oi
falar, e, por quant ben d`ela sei,
rogu`eu a Deus, que end`à o poder,
que mha leixe, se lhi prouguer, ver”.
Também a palavra leva a conotação de tristeza, como na quadra de Albino Forjaz (WV, p. 70):
Quem inventou a saudade
Não soube bem o que fez:
Fez a palavra mais triste
Que tem o amor português.
Pode a saudade ser recordação de dias felizes como no poema de Casimiro de Abreu, no poema “Meus oito anos”:
Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!
Como são belos os dias
Do despontar da existência!
– Respira a alma inocência
É por isso que se diz que a saudade de uma ausência não deixa a pessoa ser feliz e se pensa em nostalgia, como exemplo seguem os versos da canção “Maringá” de Joubert de Carvalho (WV p. 250)
Maringá, Maringá
Depois que tu partiste,
Tudo aqui ficou tão triste
Que eu garrei a imaginá
Maringá, Maringá.
É preciso que a saudade
Vá bater noutro lugar.
Waldir Vitral (WV) retoma a palavra saudade em sua antologia para inserir questionamentos da lexicóloga e crítica literária, Carolina Michaëllis de Vasconcelos sobre a referida palavra bem como a de escritores, antropologistas e poetas e conceitos como os de Alfredo Antunes, (WV. p. 24), quando explica as nuanças da saudade.
Podemos observar na canção “Onde anda você” ali está a significação na presença/ ausência da amada, e consequências: “[...] A saudade é, pois, um sentimento que implica relação de alteridade. Não sempre necessariamente entre duas pessoas, mas em condições tais que sempre uma delas se encontra carente da companhia de um bem com a outra relacionado. Este bem pode ser, ou ela mesma, ou uma projeção sua. Se não há companhia do objeto, o sujeito humano sente-se só, sente a so-edade, fica saudoso. Isto porque a saudade não é situação de estar só, mas, antes o sentimento dessa situação" (WV, p. 24)”
Na canção “Meu primeiro amor” Fontoura e Pinheirinho Junior definem a saudade como ausência e palavra triste, mas só na perda do “grande amor”. (WV p. 243):
Saudade, palavra triste
Quando se perde um grande amor.
Na estrada longa da vida,
Eu vou chorando a minha dor
Igual uma borboleta voando triste
Por sobre a flor.
Seu nome, sempre em meus lábios,
Irei chamando por onde eu for. [...]
Já na canção “Luar do sertão” de João Pernambuco (WV, p. 245) saudade é o outro lugar simples que não está no presente:
Oh que saudade do luar da minha terra.
Lá na serra, branquejando folhas secas pelo chão!
Este luar cá da cidade, tão escuro,
Não tem aquela saudade do luar lá do sertão![...]
Mas é no soneto “Saudade” de nosso acadêmico, o poeta Evandro Morais (WV p. 123) que essa palavra mágica servirá para representar diversos sentimentos humanos, como: ser companheira, amiga, lembrança de algo bom, e deslumbra, e abranda o desejo, alivia a dor, é eco perene e traz alivio:
É nossa companheira, é nossa amiga
essa mágoa discreta, que maltrata
a alma, onde vive uma lembrança antiga
do sonho bom, de alguma imagem grata.
Há quem dela padeça, há quem nos diga
que ela é como a papoula — encanta e mata!
mas é fonte serena que mitiga
a sede da alma, na paixão ingrata.
E a saudade! grande e único bem,
eco perene de gentil canção
que, mal cantamos, se perdeu além.
É a saudade, que nos dá a mão,
que faz mais leve a ausência de um alguém
e á vezes traz alívio à solidão.
* Profa. Emérita da Ufes, poeta, ensaísta, contista, tradutora, autora de livros didáticos e infantis, pertencente a entidades culturais.
Referência
VITAL, W. ael.org.br
------. Antologia da saudade. RJ: Galo Branco, 199, 280p.
Correção do texto: Maria Mirtis Caser
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