Por Ester Abreu Vieira de Oliveira
Estive em Itaúnas, na ocasião em que as pessoas procuraram apresentar o poder da palavra oral, escrita e gestual, participando de uma magnífica organização: o “Festival Internacional da Palavra”, encabeçado pela escritora e atriz capixaba Eliza Lucinda,
Contudo, chamou-me a atenção a presença de cachorros, seja nos espaços das palestras, ou das apresentações de danças folclóricas, seja na procura de estar perto de seus donos, nas ruas e nos espaços de refeições.
É de conhecimento geral que considerações de psicanalistas indicam que pets ajudam a reduzir a solidão, a promover a saúde, a qualidade de vida, e o bem-estar. Assim, com um desses fins, pode-se ser observado um animal de estimação com crianças, homens e mulheres.
Mas o isolamento é um contrassenso, porque faz parte da natureza humana o convívio social e afastar-se dele pode ocorrer em um período por determinados sucessos, como foi o imposto pela pandemia de Covid-19. A razão de eliminar esse sentimento, uma inquieta tristeza ou medo, que parece acompanhar o ser humano desde o nascimento, possivelmente, é o fato de a mãe oferecer a seu bebê chocalho, chupeta, abraços, enfim, toda a sorte de conforto que faça a criatura sentir-se menos solitário e, depois, crianças e adultos buscarem, muitas vezes, nos animais a companhia imprescindível.
Na zoologia de várias civilizações e de época medieval européia se encontra uma complexa fonte de transmutação de animais, que representam o mistério do cosmos, a harmonia do mundo, a sinfonia e a simpatia das coisas. E representações simbólicas de animais quer sejam eles reais ou fantásticos, saídas da torturada fantasia do ser humano, são encontradas nas artes plásticas, como as figuras nos portais das igrejas góticas, no quadro “Guerníca”, de Picasso, e ou nos “Jardins das Delícias”, de Bosch.
As figuras míticas, presentes no imaginário coletivo, as primordiais de caráter estável, universal e inato, onde repousam as imagens arquetípicas, como observou Carl Jung, proporcionam que as culturas desenvolvam narrativas com recorrência de certas imagens e são vistos esses aproveitamentos na heráldica, e nos epítetos de reis (Ex: Ricardo Coração de Leão), como também, nas narrativas folclóricas, nelas a zoologia é um alimento recorrente nas fábulas, de diversas literaturas, como as de Esopo e ou de La Fontaine, nas quais animais falantes exemplificam o bem viver. E, ainda, deparamos um bestiário significativo em A Metamorfosis, de Ovídio, nos Trabalhos de Hércules, em A Divina Comédia, de Dante, no Milhão, de Marco Pólo, nas obras de Rabelais, nos contos fantásticos de Kafka, nos seres imaginários de Borges e em Alice do País das Maravilhas, de Carroll, nas poesias do Barroco, e, até, na contemporaneidade, reforçando o elemento mítico da narrativa.
Em decorrência desse interesse, proveniente de tradições oriundas de diferentes povos e épocas, vários animais reais ou fantásticos, terrestres ou alados se tornaram de utilização simbólica, como sapos, corvos, serpentes, tartarugas, cisnes, pavões, pelicanos, morcegos, raposas, lobos, dragões, abutres, leões, hipogrifos, harpias, grifos, unicórnios, pégaso, quimeras e fênix.
Nessa lista alguns animais ainda persistem em nosso imaginário com existência em figuras artísticas e nas historias, e outros em nossa realidade cotidiana. Mas, na afeição pelos animais, o cão parece ser o preferido, considerando “o melhor amigo do homem”, e, nas cidades, é comum assistir a donos passeando nas ruas e parques com seus pets, e até em um restaurante presenciei o dono e seu cãozinho compartilhando da refeição. Porém, variadas espécies de animais estão correndo o risco de extinção, seja devido a fatores de destruição de habitat, ou à caça e mudanças climáticas. Assim, será que no futuro, se recursos não forem dados e atitudes da vida dos homens modificadas, muitos animais adquirirão formas míticas com existência somente nas artes? Acontecerá semelhante ao que ocorreu, no decorrer de séculos, a animais com as mais variadas formas e espécies estarem no imaginário do homem e existirem nas artes? Contribuirão essas metamorfoses para dar às artes um caráter original e simbólico, possibilitando a união do tempo, do espaço e de culturas?
Maio de 2025